A determinação do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de impor prisão domiciliar ao ex-presidente Jair Bolsonaro e medidas cautelares, como o uso de tornozeleira eletrônica, ao senador Marcos do Val (Podemos-ES) no mesmo dia, desencadeou uma crise política em Brasília. A reação do Congresso, marcada pela obstrução das atividades legislativas no início oficial dos trabalhos, reflete o descontentamento de parlamentares com o que chamam de “precedente perigoso” estabelecido pelas decisões judiciais.
A revolta no Legislativo ganhou força com a imposição da tornozeleira a Do Val, que, apesar de ser visto como uma figura controversa entre os colegas, recebeu apoio de diferentes partidos. Parlamentares, incluindo membros do Centrão e do bolsonarismo, consideram que a medida contra um senador em exercício, sem denúncia formal, representa uma interferência indevida do Judiciário no Legislativo. “A segunda-feira já começou com um Poder aprisionando o outro com a tornozeleira em um senador e termina com uma ordem de prisão que ninguém esperava. Isso escalou muito as tensões e tomou proporções inesperadas”, afirmou um líder do PL, partido de Bolsonaro, sob anonimato.
A prisão domiciliar de Bolsonaro, ordenada por Moraes, também contribuiu para o clima de tensão. A decisão veio acompanhada de medidas contra Do Val, que retornava de uma viagem aos Estados Unidos. Segundo Moraes, o senador “afrontou” uma ordem do STF ao viajar, já que seus passaportes haviam sido apreendidos em agosto de 2024. Ao desembarcar em Brasília, Do Val foi levado pela Polícia Federal à Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal para a instalação da tornozeleira. Além disso, ele enfrenta recolhimento noturno das 19h às 6h (exceto em dias de sessões prolongadas no Senado), restrições nos finais de semana e feriados, congelamento de bens, investimentos, verbas de gabinete e bloqueio de contas bancárias.
Reação no Congresso e promessas de retaliação
A insatisfação ultrapassou os limites do bolsonarismo e alcançou senadores do Centrão que não integram a base de Bolsonaro. Um deles sugeriu que a crise poderia ser resolvida pelo plenário do STF ou pelo Senado, citando o precedente de 2017, quando o Senado derrubou medidas contra o então senador Aécio Neves (PSDB-MG). “O clima está realmente péssimo e é preciso dar uma desanuviada. Tem que escolher [os alvos]. Ninguém ataca a Rússia e os Estados Unidos no mesmo dia”, comparou uma fonte próxima a ministros do STF, preocupada com a escalada do conflito.
A oposição, liderada por bolsonaristas, promete retaliar. O vice-presidente da Câmara, Altineu Côrtes (PL-RJ), planeja pautar a anistia a Bolsonaro e aliados investigados no STF na primeira ausência do presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB). Há também pressão crescente no Senado por um pedido de impeachment contra Moraes. Horas antes da prisão domiciliar de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) cobrou publicamente o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para que se posicionasse “acerca dos reiterados abusos de autoridade cometidos pelo ministro” em relação às medidas contra Do Val.
Obstrução legislativa e tentativa de diálogo
A obstrução dos trabalhos no Congresso foi marcada pela ocupação das mesas dos plenários da Câmara e do Senado por opositores do governo Lula. Hugo Motta e Davi Alcolumbre cancelaram as sessões previstas para a terça-feira e anunciaram reuniões com líderes de bancadas para tentar um diálogo. As decisões foram divulgadas após pressão de governistas, como o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias (RJ). Motta, que cumpria agenda na Paraíba, e Alcolumbre enfrentam dúvidas sobre sua disposição em atender às demandas da oposição.
A crise, intensificada pelas decisões de Moraes, deixa incertezas sobre uma solução. “É uma situação de dificílima solução. Pautar a anistia é a única forma de pacificar o país, mas o STF não vai arregar”, avaliou um aliado de Bolsonaro, demonstrando pessimismo quanto aos próximos passos.
Contexto das medidas contra Do Val
As medidas contra Marcos do Val estão vinculadas a um inquérito que investiga se ele intimidou delegados da Polícia Federal envolvidos nas apurações da trama golpista e da chamada Abin paralela. Parlamentares e lideranças consultados pela imprensa acreditam que o relaxamento das restrições contra o senador poderia aliviar as tensões no Congresso, permitindo a retomada dos trabalhos legislativos.
A crise entre os Poderes, agravada pelas decisões de Moraes, deve continuar impactando Brasília nas próximas semanas, com o Legislativo dividido e o Judiciário sob pressão.
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