Hoje, 4 de setembro de 2025, marca o dia em que o ex-senador baiano Antonio Carlos Magalhães, conhecido como ACM, completaria 98 anos. Reconhecido por sua habilidade ímpar de improvisar discursos que cativavam multidões, ele também tinha um lado menos conhecido: sua paixão por novelas, especialmente as da “novela das oito” da TV Globo, que ele acompanhava fielmente. Essa faceta peculiar muitas vezes se misturava à sua atuação política, trazendo um toque de humor e criatividade aos palanques.
ACM, que foi governador da Bahia, prefeito de Salvador e senador, transformava até referências novelescas em estratégias políticas. Um exemplo marcante ocorreu no início dos anos 2000, em Paramirim, sudoeste baiano, quando discursava ao lado do então governador César Borges e do senador Paulo Souto. Inspirado pela novela O Clone, de Glória Perez, que fascinava o Brasil com a personagem Jade (Giovanna Antonelli) e os gêmeos Diogo e Lucas (Murilo Benício), ACM ironizou a oposição: “Enquanto nós estamos aqui com vocês, trabalhando, inaugurando obras, vocês sabem onde estão os deputados da oposição? No Marrocos! E sabem fazendo o quê? Foram assistir ao casamento da Jade”. A plateia caiu na gargalhada, e o momento ficou na memória de aliados como Paulo Souto, que relembra: “Ele falava que em comício ‘tem que ter frases de efeito e pancadas no adversários’”.
A habilidade de ACM para discursos improvisados era notável. Segundo o jornalista Demóstenes Teixeira, amigo por 17 anos, o ex-senador lia vorazmente jornais, de todas as seções, até a de obituários, onde, brincava, “encontrava boas notícias”. Essa bagagem permitia que ele discursasse com autoridade sobre temas variados, de medicina a agricultura. “Sempre tinha um mote e impressionava a audiência. Tinha essa facilidade porque era bem informado, lia todas as seções de inúmeros jornais, diariamente”, conta Demóstenes.
Quando se formou em Medicina pela Universidade Federal da Bahia (Ufba) em 1952, ACM já demonstrava talento como orador da turma. Seu filho, o empresário Antonio Carlos Júnior, recorda: “Ele realmente gostava de discursar, fosse em comícios, eventos ou festas. Tinha uma facilidade absurda para improvisar e empolgava porque falava muito com o coração”. Ele preferia discursos curtos, de cerca de sete minutos, para manter a atenção do público.
A oratória de ACM também conquistou admiradores ilustres, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Em sua autobiografia A Arte da Política – A História que Vivi, FHC conta que aprendeu a discursar observando ACM, a quem descrevia como “um peixe n’água nos comícios”. Em um evento em Canudos, após ouvir discursos de Luís Eduardo Magalhães, Paulo Souto e ACM, Fernando Henrique recebeu um comentário direto do senador: “Ah, o senhor está melhorando…”. Mais tarde, FHC refletiu: “(Percebi) que uma coisa é um comício no interior de São Paulo, outra, no sertão do Bahia ou, mais diferente ainda, na Amazônia”.
ACM Neto, ex-prefeito de Salvador e neto do senador, destaca sua capacidade de adaptação: “Ele sempre procurava sentir o ambiente, o clima. Ajustava as palavras, a entonação e até o gestual conforme cada momento. Tinha uma forma muito própria de se dirigir às pessoas e sabia prender a atenção de quem o ouvia. O discurso era um dos pontos mais fortes da sua atuação política”.
Discursos combativos e preparação meticulosa
No Senado, onde atuou entre 1995-2001 e 2003-2007, ACM entregava seus discursos mais incisivos. “Quando ele subia para falar na tribuna do Senado, as pessoas já pensavam: ‘o que ACM vai dizer hoje, o que vai falar’. Sempre a fala dele vinha acompanhada de uma mensagem que impactava”, destaca ACM Neto. Um exemplo marcante foi durante a crise do mensalão, no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Em um discurso no Senado, ACM declarou: “Estou cumprindo o meu dever. Venho à tribuna com as forças que ainda tenho para lutar e defender a Bahia e o Brasil”. O vídeo desse momento, hoje com quase 90 mil visualizações no YouTube, tornou-se um marco.
ACM pertencia a uma geração de oradores como Carlos Lacerda e Tancredo Neves. Demóstenes Teixeira lembra que Lacerda, ex-governador da Guanabara, era uma inspiração para o baiano: “Quando ACM era deputado federal, Carlos Lacerda era o centro de todas as atenções na Câmara dos Deputados. Era o grande orador”. Para eventos formais, como posses, ACM se preparava com cuidado, muitas vezes com a ajuda de Demóstenes e do advogado Barbosa Romeo, seus principais ‘ghostwriters’. Durante corridas na orla de Salvador, os três discutiam política, literatura e até poesia, revelando o lado culto de ACM. “Não se engane: (ACM) era um homem que tinha leitura, culto, de bom gosto. Tinha uma biblioteca maravilhosa. Entendia não apenas de arte sacra, mas também de artes plásticas, esculturas, música, literatura e - o que pode ser surpresa para muitos - de poesia”, afirma Demóstenes.
Um exemplo dessa dedicação foi o discurso para a posse de Dom Frei Lucas Moreira Neves na Academia de Letras da Bahia (ALB) em 2000. Demóstenes e Barbosa Romeo passaram dois meses pesquisando, inclusive encíclicas papais, para criar um texto que impressionasse. ACM revisou o discurso no dia do evento, pediu ajustes de última hora e entregou uma fala que surpreendeu e emocionou Dom Lucas. “Antonio Carlos leu, foi muito aplaudido, e Dom Lucas ficou surpreso e emocionado. Esperava uma saudação rápida, de improviso. ACM gostou tanto do constrangimento de Dom Lucas que, ao final, me cumprimentou e disse: ‘Demóstenes, vamos comemorar!’”, recorda o jornalista.
Legado político e cultural
Além de sua oratória, ACM deixou um legado político robusto, com dois mandatos como senador, períodos como governador da Bahia e prefeito de Salvador. No Senado, discursos como “Não queremos chavismo no Brasil” (8 de fevereiro de 2007) e “Não foi para protelar, para não decidir, que o povo baiano me fez senador” (6 de fevereiro de 2007) permanecem no acervo do Instituto ACM. Sua habilidade de conectar com o público, seja pela emoção, pelo humor ou pela combatividade, marcou a política brasileira. Como observa Fernando Vita, ex-conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios: “Ele assumiu posições políticas mais bravas”.
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