Em meio a crescentes tensões entre poderes, o chefe da Advocacia-Geral da União (AGU), Jorge Messias, protocolou no Supremo Tribunal Federal (STF) um pedido formal para que o tribunal reverta a liminar proferida pelo ministro Gilmar Mendes. A medida, divulgada na quarta-feira (3 de dezembro de 2025), restringe exclusivamente ao procurador-geral da República (PGR) a prerrogativa de iniciar processos de impeachment contra integrantes da Corte. Além da reconsideração, a AGU requer a paralisação imediata dos efeitos da decisão até que o plenário analise as ações principais envolvidas, agendadas para o dia 12 de dezembro no formato virtual.
O embate jurídico ganhou contornos políticos acentuados, especialmente após uma série de ofensivas da oposição alinhada ao ex-presidente Jair Bolsonaro contra o Judiciário. Dezenas de representações já foram apresentadas ao Senado, com foco em nomes como o ministro Alexandre de Moraes, acusando supostos crimes de responsabilidade. Esses pedidos surgiram de ações originadas pelo partido Solidariedade e pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que contestam a vigência da Lei de Impeachment de 1950 (Lei nº 1.579). Mendes, ao conceder a cautelar, elevou o quórum necessário para o início de tais processos no Senado para dois terços dos parlamentares, em substituição à maioria simples prevista na norma, com o objetivo de blindar a independência judicial de investidas isoladas.
Na visão da AGU, a restrição imposta por Mendes carece de amparo na Constituição Federal e representa uma intromissão indevida do STF no papel legislativo. Messias enfatiza que o texto constitucional não impõe tal exclusividade ao PGR, alertando para os perigos de uma interpretação que transforme a Suprema Corte em "uma espécie de legislador substitutivo". Ele defende que a lei atual já equilibra o controle social por meio de mecanismos democráticos, como o julgamento pelo Senado com quórum qualificado, preservando a essência da separação de poderes.
"O Senado Federal, ao exercer seu mister, não pode deixar de zelar pela tutela desse preceito fundamental, sob pena de vulneração da separação dos Poderes e do próprio Estado Democrático de Direito, eis que isso configuraria ingerência arbitrária de um Poder sobre o outro", argumenta o jurista na peça enviada ao STF.
Messias vai além, propondo uma "conciliação normativa auspiciosa" que valorize a iniciativa popular, mas condicionada à aprovação congressional. "Trata-se de uma conciliação normativa auspiciosa, que prestigia a importância da iniciativa popular mediante uma canalização mais adequada. Todavia, dada a natureza dessa alteração normativa, sua implementação deve se sujeitar ao crivo do Congresso Nacional", sustenta ele, reforçando que a limitação atual poderia minar o "fundo democrático" ao cercear a participação cidadã em denúncias de abusos.
Do outro lado, Gilmar Mendes justificou sua decisão como uma salvaguarda essencial contra ataques que visam desestabilizar o Estado de Direito. Para o ministro, pedidos infundados de impeachment integram um padrão de erosão institucional, especialmente quando ancorados no mero dissenso com julgados judiciais. "O impeachment infundado de Ministros da Suprema Corte se insere no contexto de enfraquecimento do Estado de Direito. Ao atacar a figura de um juiz da mais alta Corte do país, a ponto de se buscar sua destituição, não se está apenas questionando a imparcialidade ou a conduta do magistrado, mas também minando a confiança pública nas próprias instituições que garantem a separação de poderes e a limitação do poder", escreveu Mendes em seu despacho.
Ele declarou inconstitucional o artigo 41 da lei de 1950, que autoriza qualquer cidadão a protocolar denúncias, e vedou expressamente a instauração de processos baseados no conteúdo de decisões judiciais. "Não se mostra possível instaurar processo de impeachment contra membros do Poder Judiciário com base direta ou indireta no estrito mérito de suas decisões, na medida em que a divergência interpretativa se revela expressão legítima da autonomia judicial e da própria dinâmica constitucional", pontuou o magistrado. Mendes atribui ao PGR, como "chefe do Ministério Público da União, na condição de fiscal da ordem jurídica", a responsabilidade de filtrar pedidos com "elementos concretos" e perspectiva técnica, evitando banalização do instrumento.
O julgamento coletivo da liminar está previsto para o próximo dia 12, quando o plenário virtual do STF deliberará sobre as ações diretas de inconstitucionalidade. Até lá, a AGU busca neutralizar os impactos imediatos da cautelar, que já suspendeu tramitações no Senado. Paralelamente, o episódio se entrelaça com articulações políticas: Messias, indicado pelo presidente Lula para uma vaga no STF, intensifica contatos com senadores em busca de apoio à sua sabatina. No entanto, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, manifestou oposição à nomeação, criticando atrasos do Executivo. "É uma interferência no cronograma da sabatina, prerrogativa do Poder Legislativo", disparou Alcolumbre. "Essa omissão, de responsabilidade exclusiva do Poder Executivo, é grave e sem precedentes. É uma interferência no cronograma da sabatina, prerrogativa do Poder Legislativo".
Em meio às negociações, Messias se posicionou contra investigações prolongadas, declarando: "Sou contra um inquérito que tenha prazo excessivo. Ninguém pode ser investigado a vida inteira". O caso ilustra as fricções entre Executivo, Legislativo e Judiciário, com potencial para redefinir os contornos do impeachment ministerial em um cenário de polarização aguda.
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