O Instituto Médico-Legal (IML) Afrânio Peixoto, localizado no Centro do Rio de Janeiro, intensifica esforços para processar os restos mortais dos 117 suspeitos abatidos durante a Operação Contenção, ação conjunta das polícias Civil e Militar realizada na terça-feira (28) nos complexos da Penha e do Alemão, na Zona Norte da cidade. Mais de 50% desses corpos já foram submetidos a exames de necropsia e iniciaram o procedimento de identificação formal, permitindo o início da liberação para as famílias enlutadas.
A operação, que mobilizou cerca de 2.500 agentes para desmantelar estruturas do Comando Vermelho e executar aproximadamente 100 ordens de prisão junto a 150 de busca e apreensão, registrou 121 óbitos no total – incluindo quatro policiais civis e militares, tornando-se a mais mortal na história fluminense, superando ações anteriores como a de Jacarezinho em 2021. Especialistas, como os do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF), destacam que, de 2007 a outubro de 2025, o estado acumulou 707 intervenções policiais letais na região metropolitana, com 2.905 civis e 31 agentes mortos.
Desde o amanhecer desta quinta-feira (30), o IML tem recebido intenso fluxo de parentes ansiosos por notícias de entes desaparecidos. Um espaço cedido pelo Detran-RJ, adjacente ao instituto, serve como ponto de recepção e suporte inicial aos visitantes, que recebem senhas para agilizar o atendimento. No total, os 117 cadáveres procedentes da operação estão sob análise no local, com o acesso controlado exclusivamente pela Polícia Civil e pelo Ministério Público. Exames não relacionados ao caso foram redirecionados ao IML de Niterói para priorizar o mutirão.
Técnicos do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) conduzem análises independentes nos corpos, motivados por alegações de execuções sumárias e violações durante os confrontos. O procurador-geral de Justiça, Antônio José Campos Moreira, enfatizou em coletiva na quarta-feira (29) que a revisão de imagens capturadas é crucial para esclarecer as circunstâncias das fatalidades. Essa demanda ganhou força após o secretário da Polícia Militar, coronel Marcelo de Menezes, admitir perdas de gravações devido à curta duração das baterias nos dispositivos de registro.
Na tarde de hoje, membros da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, da Defensoria Pública e de entidades afins planejam inspecionar o IML para monitorar as perícias e o fluxo de liberações. A Defensoria Pública da União, atuante no estado desde outubro de 2023 via Força Nacional de Segurança Pública, reforça o apoio, com validade até 16 de dezembro de 2025 e possibilidade de prorrogação. A Comissão de Direitos Humanos do Senado, por sua vez, enviará ofício ao governo estadual solicitando detalhes sobre planejamento, execução e impactos, especialmente em crianças expostas ao cenário de guerra.
Os embates mais violentos ocorreram na Serra da Misericórdia, onde dezenas de corpos foram localizados por residentes e transportados para a Praça São Lucas, no Complexo da Penha, facilitando o reconhecimento inicial. Moradores transportaram cerca de 70 a 74 restos mortais de matas durante a madrugada de quarta-feira (29), em cenas que geraram comoção nacional e internacional. Imagens de drone capturaram os cadáveres alinhados na praça, enquanto seis foram levados de Kombi ao Hospital Estadual Getúlio Vargas em alta velocidade.
Relatos de moradores retratam o terror vivido. “Eu moro aqui há 58 anos. Nunca vi isso. Vai ser difícil esquecer. Essa cena aqui pra mim foi trágica”, desabafou uma habitante. Outro comparou o caos a desastres naturais: “A cidade tá igual tragédia, como quando tem tsunami, terremoto, com corpo espalhado em cima do outro”. Um residente da Vila Cruzeiro expressou choque: “Na grande realidade, isso aqui é algo estarrecedor. Tô chocado. Nunca vi isso aqui na minha vida. O que a Vila Cruzeiro precisa é de educação”. Até quem não sofreu perdas diretas sente o peso: “Não é um dos meus que tá ali, mas eu sou mãe. Sei o que cada um tá passando, porque também já tive uma perda”, confidenciou uma mulher no mutirão.
Fundador da ONG Rio da Paz, Antonio Carlos Costa, que presenciou as cenas na praça, questionou a abordagem estatal: “Não há uma invasão aqui do Estado na sua plenitude, trazendo saneamento básico, moradia digna, acesso à educação de qualidade, hospitais decentes. Por que historicamente a resposta tem que ser essa? E por que a sociedade não se revolta?”. Mães de vítimas ecoam críticas: uma delas relatou mutilações, afirmando “Arrancaram o braço dele”. Um parente anônimo, vindo de Cabo Frio, denunciou o tratamento indigno: "Eles largaram o corpo lá, pelado. Nem animal se trata assim, não importa o que a pessoa fez". "Fizeram a bagunça que fizeram e largaram lá de qualquer jeito". "É muito difícil encontrar a pessoa que a gente ama desse jeito".
O ativista Raull Santiago, que auxiliou na remoção de corpos, testemunhou: “Em 36 anos de favela, passando por várias operações e chacinas, eu nunca vi nada parecido com o que estou vendo hoje”. A professora Jacqueline Muniz, do Departamento de Segurança Pública da UFF, classificou a ofensiva como "amadora e uma lambança político-operacional", agravando a insegurança e erodindo a confiança pública em meio a disputas políticas e fragilidades na gestão.
O secretário da Polícia Civil, Felipe Curi, detalhou táticas como o “Muro do Bope”, que cercou criminosos na mata, resultando em 81 detenções, apreensão de 93 fuzis e mais de meia tonelada de drogas. O governador Cláudio Castro qualificou a ação como "sucesso" e "a maior das forças de segurança do Rio", mas o total de vítimas ainda depende de confirmações oficiais via IML ou hospitais. A Polícia Civil estima 63 corpos inicialmente, enquanto a Defensoria aponta para 132 óbitos. A liberação integral permanece sem data definida, com algumas famílias, como a de Adaylton Bruno marido de Maria Fernanda Araújo e ligado ao Comando Vermelho, aguardando ansiosamente. A cúpula do Comando Vermelho foi transferida para presídio federal, e imagens revelam fuzis empilhados, bombas em drones e rendições filmadas à força.
Órgãos como a ONU, Anistia Internacional e Defensoria Pública da União condenaram a letalidade, impulsionando a retomada da ADPF das Favelas no STF. O Comitê Internacional de Direitos Humanos solicita "informações urgentes" sobre responsabilidades. A Ouvidoria e o Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria oferecem suporte contínuo, incluindo buscas por desaparecidos e restauração de serviços como escolas e comércios afetados pelos tiroteios, que paralisaram vias e geraram pânico generalizado.
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