Richard Bruce Cheney, um dos vice-presidentes mais influentes e divisivos da história americana, faleceu na noite de segunda-feira (3), aos 84 anos, em sua residência, cercado pela família. A causa da morte foram complicações de pneumonia agravadas por doenças cardíacas e vasculares, conforme anúncio oficial da família. Cheney, que atuou como braço-direito de George H.W.
Bush e George W. Bush, foi o principal idealizador da estratégia antiterrorismo dos Estados Unidos no pós-11 de Setembro, impulsionando a invasão do Iraque em 2003 com argumentos que se revelaram infundados.
Nascido em 30 de janeiro de 1941, em Lincoln, no Nebraska, Cheney passou a infância em Wyoming, estado vizinho onde construiu grande parte de sua base política. Formado em ciências políticas pela Universidade de Wyoming, ele deu os primeiros passos na administração pública em 1969, como estagiário no governo federal. Sua ascensão foi rápida: entre 1975 e 1977, ocupou o cargo de chefe de gabinete da Casa Branca nas gestões de Richard Nixon e Gerald Ford. Em 1978, ingressou na Câmara dos Deputados representando Wyoming, onde permaneceu por mais de uma década até 1989.
Durante a presidência de George H.W. Bush, Cheney assumiu o Departamento de Defesa de 1989 a 1993, período em que liderou as forças armadas na Operação Escudo do Deserto e na Guerra do Golfo, redefinindo a doutrina militar americana após o fim da Guerra Fria. Ele nunca serviu no exército, mas sua gestão foi marcada por reformas que modernizaram as políticas de defesa, adaptando-as ao novo cenário global sem a ameaça soviética.
Após deixar o governo, Cheney migrou para o setor privado entre 1995 e 2000, comandando a Halliburton como presidente e CEO, o que o enriqueceu consideravelmente e gerou controvérsias posteriores sobre conflitos de interesse durante a guerra no Iraque, já que a empresa se beneficiou de contratos bilionários. Em 2000, surpreendentemente, ele foi escolhido por George W. Bush para ser o vice-presidente, após liderar a busca pelo companheiro de chapa. De 2001 a 2009, Cheney exerceu o cargo com um nível de autoridade inédito, transformando a vice-presidência de um papel cerimonial em um centro de poder real, influenciando decisões cruciais em áreas como energia, terrorismo e autoridade executiva.
Sob Bush filho, Cheney foi o principal defensor da doutrina da "guerra preventiva", alegando laços entre o regime de Saddam Hussein e os ataques de 11 de setembro de 2001 uma conexão que nunca se comprovou. Ele insistiu que as tropas americanas seriam vistas como libertadoras no Iraque e previu o colapso rápido da insurgência em 2005, quando já havia 1.661 soldados dos EUA mortos, número que subiria muito mais até o fim do conflito. Apesar de erros expostos, como a ausência de armas de destruição em massa, Cheney manteve sua convicção inabalável, defendendo medidas controversas como vigilância em massa, detenções indefinidas em Guantánamo e técnicas de interrogatório aprimoradas, que beiravam a tortura.
Sua saúde sempre foi um tema recorrente: sobrevivente de cinco infartos, Cheney convivia com um desfibrilador implantado e, em 2012, passou por um transplante de coração após décadas de problemas. Em 2013, ele refletiu sobre sua condição, dizendo que agora acordava todas as manhãs "with a smile on my face, thankful for the gift of another day" uma visão otimista contrastante com sua imagem de líder implacável. Durante os atentados de 2001, ele operou de locais secretos por meses, garantindo a continuidade da liderança americana, e chegou a desativar remotamente seu desfibrilador por receio de sabotagem terrorista. No dia 11 de setembro, enquanto Bush estava fora de Washington, Cheney coordenou a resposta da Casa Branca até ser evacuado pelos agentes do Serviço Secreto em uma cena que ele mais tarde descreveu com humor.
Cheney e Bush firmaram um pacto implícito desde o início: renunciando a ambições presidenciais próprias, ele ganhou influência comparável à do presidente em temas como Iraque, Irã, Coreia do Norte e agenda conservadora de desregulamentação econômica políticas que, anos depois, contribuíram para a bolha imobiliária e a crise financeira de 2008. Com um sorriso sutil que críticos chamavam de "irônico", ele zombava de sua fama de manipulador: "Sou eu o gênio do mal no canto que ninguém nunca vê sair da toca? Na verdade, é uma boa maneira de operar."
Nos anos pós-mandato, Cheney emergiu como crítico ferrenho de Donald Trump, o atual presidente republicano. Isso se intensificou após sua filha Liz Cheney, ex-deputada por Wyoming, se tornar a voz mais veemente contra Trump no Partido Republicano, liderando a comissão congressional sobre o ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Em um comercial de TV apoiando a campanha dela em 2022, Cheney mirou diretamente o rival: "Nos 246 anos de história de nossa nação, nunca houve um indivíduo que representasse uma ameaça maior à nossa república do que Donald Trump. Ele tentou roubar a última eleição usando mentiras e violência para se manter no poder depois de ter sido rejeitado pelos eleitores. Ele é um covarde". Essa postura levou-o, de forma inédita para um conservador de sua estatura, a endossar Kamala Harris, a candidata democrata, na eleição presidencial contra Trump.
Para admiradores, Cheney era um patriota resoluto em tempos de crise, fiel aos princípios mesmo quando a opinião pública se voltou contra a guerra. No entanto, sua influência minguou no segundo mandato de Bush, limitada por decisões judiciais que barraram expansões de poder presidencial e pela evolução política, como a recusa de Bush em adotar linhas mais agressivas contra Irã e Coreia do Norte. Amigos como Dave Gribbin, companheiro de infância em Wyoming e colaborador em Washington, o descreviam como "feito para ser o número dois perfeito. É discretamente reservado e extremamente leal". Cheney ecoava isso: "Quando aceitei o cargo de vice-presidente, decidi que minha única agenda seria a dele, que eu não seria como a maioria dos vice-presidentes e isso era uma estratégia, tentando descobrir como eu seria eleito presidente quando o mandato dele terminasse."
A família emitiu uma nota de pesar destacando seu legado pessoal: "Dick Cheney was a great and good man who taught his children and grandchildren to love our country, and to live lives of courage, honor, love, kindness, and fly fishing. We are grateful beyond measure for all Dick Cheney did for our country." Sua morte encerra uma era de figuras que moldaram a política externa americana em meio a guerras prolongadas e debates éticos sobre segurança nacional.
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