Após duas décadas de domínio do MAS (Movimento ao Socialismo), liderado pelo ex-presidente Evo Morales, a Bolívia terá um segundo turno presidencial sem a presença da esquerda, uma mudança histórica. Os candidatos Rodrigo Paz Pereira, senador de Tarija, e Jorge “Tuto” Quiroga, ex-presidente, ambos da oposição, disputarão a Presidência em 19 de outubro, conforme resultados preliminares divulgados no domingo (17).
Os números, anunciados por volta das 22h20 (horário de Brasília), indicaram Paz Pereira com 32,08%, seguido por Quiroga com 26,94%. Samuel Doria Medina, que aparecia como favorito nas pesquisas, ficou em terceiro com 19,93%. Na esquerda, Andrónico Rodríguez obteve 8,11%, e Eduardo del Castillo, 3,14%. Os votos nulos, apoiados por Evo Morales, alcançaram 19%. A apuração final deve ser concluída em até sete dias.
Paz Pereira, que não figurava entre os favoritos, surpreendeu ao liderar a votação. Nascido na Espanha durante o exílio de seus pais no regime militar, ele busca repetir o legado de seu pai, Jaime Paz Zamora, presidente entre 1989 e 1993. Já Quiroga, acompanhando seu vice, Juan Pablo Velasco, em Santa Cruz de la Sierra, celebrou o resultado: “É uma noite histórica, para todos os bolivianos, demos um passo gigantesco para um amanhã melhor. Ganhou a democracia boliviana.”
Samuel Doria Medina, em terceiro lugar, anunciou apoio a Paz Pereira: “Ao longo da campanha, eu disse que, se não chegasse ao segundo turno, apoiaria quem viesse primeiro, se não fosse o MAS. Bem, esse candidato é Rodrigo Paz, e eu mantenho minha palavra.”
A esquerda, fragmentada por disputas internas, sofreu uma derrota significativa. O MAS, no poder desde 2006 com Evo Morales, enfrentou divisões entre o ex-presidente e o atual, Luis Arce, que optou por não concorrer à reeleição. Evo, impedido de se candidatar e rompido com Arce e Rodríguez, defendeu o voto nulo, afirmando nas redes sociais: “Se não fosse por seu aliado Luis Arce, que roubou nossa sigla [o MAS] e baniu o maior movimento político do país, teríamos vencido essas eleições com uma margem esmagadora. O voto nulo expressa a nossa rejeição a uma eleição fraudada.”
Andrónico Rodríguez, presidente do Senado e ex-aliado de Evo, enfrentou hostilidade ao votar em Entre Ríos, Cochabamba, onde foi alvo de xingamentos e pedras, conforme vídeos nas redes sociais. “Claramente são grupos organizados que, de forma intolerante, no momento em que cheguei, queriam evitar que eu votasse. Ainda assim, a população se impôs e controlou a situação”, declarou.
A crise econômica foi decisiva na eleição. Com reservas em dólares quase esgotadas, queda nas exportações de gás, inflação de 25% em 12 meses (julho) e escassez de combustíveis e produtos básicos, o descontentamento popular abriu espaço para a direita. Paz Pereira destacou a necessidade de mudança: “A Bolívia precisa de estabilidade, precisa de governabilidade, mas precisa acabar com o ‘Estado de bloqueio’ para que o Estado trabalhe para nós e nós para o Estado, para acabar com a injustiça, a corrupção.” Quiroga complementou: “Esta talvez seja a eleição mais importante em 40 anos. É a oportunidade que a democracia nos dá: deixar para trás a divisão, o confronto, com a estabilidade econômica, com um futuro diferente.”
O segundo turno, inédito desde a Constituição de 2009, ocorrerá porque nenhum candidato obteve mais de 50% dos votos ou 40% com 10 pontos de vantagem. O vencedor assumirá em 8 de novembro para um mandato de cinco anos, enfrentando desafios como a negociação da exploração de lítio e a formação de alianças no Parlamento.
No dia da votação, a ausência de transporte público em La Paz, onde circular de carro exigia autorização prévia, dificultou o acesso às urnas. As seções eleitorais, abertas das 9h às 16h (horário de Brasília), atenderam eleitores em 3.733 locais, com voto obrigatório. No sábado (16), o governo Arce rebateu acusações de fraude, negando qualquer “guerra suja” nas redes sociais.
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