Proposta de enquadramento de facções como terroristas ameaça juros e acesso ao crédito empresarial

Especialistas alertam para fuga de investimentos e elevação do risco-país caso iniciativa oposicionista avance
Por: Brado Jornal 06.nov.2025 às 10h43
Proposta de enquadramento de facções como terroristas ameaça juros e acesso ao crédito empresarial
Foto: Divulgação
Especialistas consultados pela Valor advertem que o projeto em análise no Congresso, que busca classificar facções criminosas como entidades terroristas, tende a agravar o risco percebido do Brasil no exterior. Essa percepção poderia resultar em juros mais elevados, restrições ao crédito para companhias nacionais e retração de aportes estrangeiros.

Apresentado em março pelo deputado Danilo Forte (União-CE), o texto modifica a Lei Antiterrorismo de 2016 para incluir milícias e grupos criminosos na definição de terrorismo. Relatado por Nikolas Ferreira (PL-MG) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, o projeto ganhou impulso após a operação contra o Comando Vermelho (CV) no Rio de Janeiro, que resultou em 121 mortes, incluindo quatro policiais. A sessão de votação na CCJ, agendada para terça-feira (4), acabou postergada devido a articulação da base governista.

A oposição vê na medida uma bandeira central, e Guilherme Derrite, atual secretário de Segurança Pública de São Paulo e deputado pelo PP, anunciou que se afastará do cargo estadual para relatar a proposta. Já o Planalto resiste à ideia e protocolou, na mesma semana, um PL "antifacção" voltado à enfraquecimento econômico dessas estruturas.

“Falar e agir como se organizações criminosas fossem terroristas não só não vai ajudar a combater o narcotráfico no Brasil, como vai criar problemas em outras esferas, econômica, financeira e das relações diplomáticas”, alerta Renato Galeno, coordenador do curso de relações internacionais do Ibmec-RJ.

No âmbito das interações globais, as corporações avaliam cenários estratégicos antes de expandir para novos mercados, conforme explica Galeno. “Quando elas pensam em fazer investimento em um país conflagrado, em que há grande risco de violência, onde o próprio Estado autodeclara que parte do seu território está sob o domínio de grupos terroristas, isso faria com que houvesse dificuldades para os investimentos dessas empresas. Terrorismo é um nível de risco muito acima para qualquer companhia.”

Embora tanto o crime organizado quanto o terrorismo invoquem a violência para controle territorial e exploração, o segundo carrega intenções ideológicas ou culturais profundas, ressalta Daniel Cerqueira, integrante do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “É equivocado misturar as duas coisas.”

Isso cria uma instabilidade, inclusive jurídica, muito grande” — Daniel Cerqueira

Do ângulo econômico, essa associação pode expor o país a penalidades internacionais severas, afetando governos, cidadãos e instituições, segundo Cerqueira. “Imagine se, de repente, chegam à conclusão de que o Rio de Janeiro, por exemplo, é um Estado narcoterrorista. O Estado, as autoridades e as pessoas em geral podem sofrer sanções econômicas severas, certos mercados não poderão fazer negócio nesses locais, com as pessoas de lá. Isso cria uma instabilidade, inclusive jurídica, muito grande”.

Conforme reportagem recente da Valor, tais restrições frequentemente atingem o sistema financeiro de forma direta.

“Existem lugares que têm legislação muito restritiva em relação a organizações terroristas. Para alguns, não precisa nem ter trânsito em julgado e já pode dar início a uma série de gatilhos e restrições que impedem a contratação de empresas daquele país”, pontua Marivaldo Pereira, secretário nacional de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). “Se banalizarmos isso, podemos criar uma série de barreiras para empresas nacionais, para acesso a crédito e financiamento, sobre as quais pairam algum suspeita sem dar direito ao contraditório e à ampla defesa.”

Galeno acrescenta que retaliações poderiam se materializar internamente. “Se o Estado considera grupos de narcotraficantes como terroristas e se um integrante desses grupos for descoberto em alguma instituição financeira, nas forças policiais, em agências governamentais, isso poderia levar a sanções tanto de empresas quanto de Estados a essas entidades governamentais públicas”, observa ele.

Desde os debates sobre a Lei Antiterrorismo de 2016, o governo já alertava para os perigos de uma definição excessivamente ampla, recorda Pereira, do MJSP. “A preocupação era que a banalização do termo ‘terrorismo’, abrangendo todo tipo de criminalidade, seria um tiro no pé, porque impactaria diretamente o risco-país. Isso afetaria também os juros previstos e o oferecimento de crédito”, enfatiza.

O risco é particularmente agudo para firmas dependentes de recursos externos, como as que recorrem a resseguros internacionais para mitigar grandes perdas. “Seguradoras com grandes segurados precisam contratar resseguros internacionais, porque, se houver sinistro, nem sempre elas têm como bancar sozinhas. O contrato depende muito da avaliação de risco, e banalizar o conceito de terrorismo pode impactar diretamente essa situação”, argumenta Pereira.

Mesmo que o Brasil adote essa visão unilateralmente, outros governos tenderão a alinhar-se rapidamente, segundo o secretário. “O fato de o próprio país reconhecer organizações criminosas como terroristas deve tornar mais automática essa compreensão por outros países.”

Pereira argumenta que o recategorização não melhora o arsenal penal contra esses grupos. “Tudo o que você pensar de rigor, de celeridade que poderia fazer contra terroristas, já pode fazer na lei de organizações criminosas. Ela é a base para o combate ao terrorismo. Tanto que o governo mandou uma proposta que aumenta o rigor das penas para organização criminosa, reduz prazos para tramitação e cria celeridade na expropriação de bens. Se queremos aumentar o rigor, vamos mudar a lei das organizações criminosas.”

Além disso, a designação abre brechas para intervenções estrangeiras sob pretexto humanitário, como visto em casos vizinhos, adverte Galeno, do Ibmec. “É o que estamos vendo os EUA fazerem no caso da Venezuela. A probabilidade é muito maior de haver consequências econômicas, financeiras, sanções. A probabilidade de ação militar no Brasil é muito pequena, mas as consequências seriam tão graves que é melhor não arriscar nem tomar nenhuma atitude imprudente”.


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