A Polícia Federal identificou um sistema de registro financeiro paralelo no bloco de notas do celular de Josivaldo Batista de Souza, cunhado do prefeito afastado Rodrigo Manga (Republicanos), que detalha entradas e saídas de valores supostamente provenientes de propinas pagas por empresas para obter contratos com a Prefeitura de Sorocaba (SP). Os dados incluem abreviações para nomes de companhias, pessoas e montantes, levando ao afastamento de Manga do cargo por 180 dias, com a PF o classificando como líder de organização criminosa.
O g1 e a TV TEM acessaram documentos da segunda fase da Operação Copia e Cola, deflagrada na quinta-feira (6), que resultou na prisão de Josivaldo e do empresário Marco Silva Mott. As anotações revelam um monitoramento preciso de recursos ilícitos obtidos via licitações municipais.
De acordo com o relatório da PF, o arquivo divide os lançamentos em "entradas" e "saídas", com cifras abreviadas ao lado de siglas que indicam fontes ou destinatários. Por exemplo, "155 cmx" equivaleria a R$ 155 mil, interpretação confirmada por registros como "61.800 eteg" e "295.200 wc", que evitam abreviações em centenas não zeradas. A PF concluiu que as entradas representam pagamentos de propina de empresas contratadas pela prefeitura.
Entre as companhias citadas está a Amhemed Assistiência à Saúde, referida como "hamamed" nos registros. A empresa assinou cinco contratos com o município entre 2021 e 2024 e, segundo a PF, teria repassado propinas para garanti-los.
A City Transportes Urbano Global Ltda aparece em 11 entradas com a palavra "City", totalizando mais de R$ 1,7 milhão em quatro meses.
Já a Única Sorocaba Vigilância e Segurança Patrimonial Ltda é ligada ao termo "Prett" ou "Pret". Durante busca na residência de Josivaldo, agentes encontraram envelopes com anotações e dinheiro em espécie, além de uma conversa no celular dele com Fernando Francisco Prette, sócio do grupo.
Pagamentos relacionados ao Consórcio Sorocaba Ambiental e/ou Consórcio Novo Sorocaba Ambiental (CNSA) somam R$ 2,8 milhões em seis lançamentos com a sigla "LX", entre dezembro de 2024 e março de 2025. A PF interpreta "LX" como código para "lixo", referindo-se a propinas de firmas de coleta de resíduos na cidade.
O relatório menciona ainda secretários e assessores municipais como possíveis receptores de valores ilícitos, embora não sejam alvos formais da investigação até o momento:
- Clayton Cesar Marciel Lustosa (secretário do Empreendedorismo, da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte);
- Luciana Mendes da Fonseca (secretária de Administração);
- Márcio Bortolli Carrara (assessor de gabinete na Secretaria de Governo);
- Paulo Henrique Marcelo (assessor do Gabinete Central);
- Marcelo Duarte Regalado (secretário municipal da Fazenda)
A PF aponta que, de 2021 a 2025, Rodrigo Manga, a esposa Sirlange Rodrigues Frate e Marco Mott teriam usado contratos fictícios de publicidade para lavar dinheiro. Acordos envolveram a empresa de Sirlange (atual 2M Comunicação e Assessoria), a Sim Park Estacionamento Eireli de Mott e a Igreja Cruzada dos Milagres dos Filhos de Deus, de Josivaldo e Simone Rodrigues Frate (irmã de Sirlange). Entre fevereiro de 2021 e junho de 2023, R$ 780 mil foram transferidos mensalmente, com R$ 30 mil por pagamento, exceto em três meses de 2022.
Os contratos foram assinados em janeiro de 2021, auge da pandemia de Covid-19, o que reforça à PF a tese de simulação para encobrir origens ilícitas.
Simone mantinha anotações em papel controlando gastos pessoais do grupo Manga com recursos supostamente criminosos, como boletos de clube, condomínio, mensalidade universitária da filha do prefeito e manutenção de cavalos dele.
A defesa de Rodrigo Manga disse, em nota, que a investigação conduzida pela Polícia Federal de Sorocaba é completamente nula, porque foi iniciada de forma ilegal e conduzida por autoridade manifestamente incompetente.
A defesa de Sirlange Rodrigues Frate Maganhato informou que todas as operações financeiras mencionadas na investigação são lícitas, corroboradas por documentação e devidamente declaradas em Imposto de Renda. Disse ainda que todos os serviços mencionados foram efetivamente prestados e os valores faturados correspondem às atividades executadas.
Os representantes de Josivaldo, Simone e da Igreja Cruzada de Milagres dos Filhos de Deus afirmam que jamais participaram de qualquer atividade ilícita e que todos os recursos da igreja e de seus sócios estavam devidamente declarados às autoridades desde 2018.
A defesa de Marco Silva Mott disse desconhecer os fatos citados na reportagem e que se manifestará quando acessar provas da investigação criminal.
A Amhemed informou, em nota, que não foi notificada oficialmente sobre a investigação e que a instituição sempre pautou sua atuação pela legalidade, transparência e responsabilidade, cumprindo integralmente todas as suas obrigações legais, fiscais e contratuais.
"Caso sejamos formalmente acionados pelos órgãos competentes, estaremos à disposição para colaborar integralmente, como sempre fizemos, a fim de esclarecer quaisquer pontos necessários", completa.
Sobre os servidores municipais, citados na investigação, a Prefeitura de Sorocaba informou que não foi oficialmente notificada e que o setor jurídico do município não teve acesso ao conteúdo.
City Transportes Urbano Global e Consórcio Sorocaba Ambiental e/ou o Consórcio Novo Sorocaba Ambiental (CNSA) não se manifestaram até a publicação da reportagem.
A organização investigada recebeu R$ 123 milhões em contratos públicos. A esposa de Manga, Sirlange, também é alvo da operação.
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