Um estudo divulgado nesta quinta-feira (4) pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni/UFF) e pelo Instituto Fogo Cruzado revela profundas alterações no controle territorial do crime no Rio de Janeiro entre 2007 e 2024. O levantamento, que usou mais de 700 mil denúncias, verificação jornalística e modelos estatísticos, conclui que aproximadamente 4 milhões de moradores da Região Metropolitana estão sob domínio direto ou influência de facções e milícias.
Domínio populacional atual
Comando Vermelho (CV): controla diretamente 1,6 milhão de pessoas (47,2% da população sob domínio armado) e alcança 1,7 milhão com influência (44,7% do total). Possui 150 km² de território consolidado.
Milícias: ainda lideram em extensão territorial (201 km²), mas vêm perdendo espaço desde 2020.
Terceiro Comando Puro (TCP): consolidou-se como terceira força, respondendo por 11,28% da população afetada e 7,8% da área dominada.
Avanço por conquista
O coordenador do Geni/UFF, Daniel Hirata, explica que o Comando Vermelho mudou a estratégia de expansão nos últimos anos:
“A conquista é a tomada de um território de um grupo por outro. E necessariamente não tem acomodação, é no conflito. Então essa mudança ajuda a entender por que nos últimos 5 anos a gente tem visto esse tipo de situação na Zona Norte, em parte da Zona Oeste, Grande Jacarepaguá, algumas partes da Baixada Fluminense.”
“O Comando Vermelho percebe aquilo como um momento de fraqueza e passa a atuar conquistando essas áreas que eram das milícias”, completou Hirata.
O maior salto populacional do CV ocorreu em 2019, com a incorporação de cerca de 146,3 mil moradores, principalmente após a tomada da Rocinha e do Vidigal em 2018. De 2007 a 2024, o domínio populacional da facção cresceu 30,9%.Recuo das milícias
Apesar de ainda dominarem a maior área física, os grupos paramilitares enfrentam retração acelerada. Hirata destaca o impacto de ações do Ministério Público e a crise de liderança:
“Eu acho que é importante destacar a atuação do Gaeco, do Ministério Público. Desde a Operação Intocáveis, dezenas de milicianos foram presos. Houve também a questão fundamental da morte do Ecko e da prisão do Zinho, que de alguma maneira desestabilizou o que era a maior milícia do estado.
”A morte de Wellington da Silva Braga, o Ecko, em 2021, e a entrega de seu irmão Zinho à Polícia Federal na véspera do Natal de 2023 abalaram o comando da maior milícia do Rio, que atuava em Campo Grande, Santa Cruz e Paciência. A perda de hegemonia na Zona Oeste abriu caminho para o avanço do CV em regiões antes impensáveis.
“Você tem a morte de uma liderança que era um grande articulador e a atuação do Ministério Público enfraquecendo essa milícia. O Comando Vermelho começa a atuar de forma mais agressiva em direção a locais que a gente nunca imaginaria que eles conseguiriam chegar”, afirmou o pesquisador.TCP ganha força em áreas disputadas
O Terceiro Comando Puro consolidou presença especialmente na Zona Norte da capital e na Baixada Fluminense, crescendo também por meio de conquistas territoriais e intensificando conflitos onde atua.
Influência política persiste
Daniel Hirata alerta que o crime armado no Rio mantém forte articulação política:*
*“O grupo criminal que realmente tem a maior capacidade de influência política é o jogo do bicho. É a organização mais estruturada do ponto de vista da extração econômica e da cobertura política.”
“As milícias conseguiram chegar a um estágio em que tinham representantes no parlamento. É uma coisa muito sofisticada.”Para o pesquisador, facções como o Comando Vermelho também aprenderam a estratégia: “Agora, as últimas investigações, acho que tem uma coisa também de um aprendizado institucional (...) Estou pensando não só no TH Joias, mas toda uma rede que está aparecendo nessas investigações da Polícia Federal também.
”Impacto diário na população
A mudança de “colonização” (expansão para áreas vazias) para “conquista” (tomada de territórios rivais) aumentou drasticamente a violência em regiões antes mais estáveis.
“Áreas que foram colonizadas passam necessariamente por um conflito, e portanto por troca de tiros, enfrentamentos muito violentos que a população tem que lidar”, explica Hirata.
“Seria importante a estabilização dessas regiões, porque as pessoas vivem numa circunstância em que as rotinas são interrompidas o tempo inteiro (...) A todo momento pode acontecer um novo confronto, a todo momento pode ter uma bala perdida, que muitas vezes atravessa as paredes das casas.
”O pesquisador critica a ideia de que ausência de tiroteios significa segurança: “Muitas áreas onde não ocorriam tiroteios, por exemplo, colonização de tipo miliciana, tinham taxas de homicídio iguais às de locais controlados pelo tráfico de drogas onde havia tiroteio. São áreas silenciosas, mas longe de serem pacíficas. ”Operações policiais não alteram controle
Apesar de quatro décadas de megaoperações, o controle armado cresceu 130% no período analisado.“As operações não alteram o controle de territórios armado. Elas são mais um dos elementos que colocam em jogo a disputa pelos controles”, avaliou Hirata.
“Você pode ter operações policiais que acabam por enfraquecer um grupo em determinado local e esse local vai ser conquistado por outro grupo. Mas é muito difícil imaginar que o grupo vai sair daquele local por conta de operações policiais.”
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