Em meio à fragilidade da trégua entre Israel e o Hamas, iniciada na sexta-feira (10), o grupo militante tem intensificado ações para consolidar sua autoridade no território palestino, resultando em confrontos armados e execuções que expõem a instabilidade da região. Relatos de violência interna se multiplicaram desde a retirada parcial das tropas israelenses, com o Hamas acusando rivais de colaboração com o inimigo e de crimes locais, enquanto clãs poderosos negam as alegações e denunciam perseguições injustas.
Um vídeo chocante, amplamente divulgado em redes sociais e canais ligados ao Hamas, capturou o momento em que combatentes mascarados, alguns identificados por faixas verdes características da ala militar do grupo, arrastaram oito homens vendados para o centro de uma praça no bairro Al Sabra, no oeste da Cidade de Gaza. Os prisioneiros, aparentemente adultos com mãos amarradas às costas e alguns sem camisa ou calçados, foram forçados a se ajoelhar diante de uma multidão. Armados com fuzis, os executores os alvejaram em sequência, celebrando logo após os disparos uma cena que ocorreu sob os olhares de espectadores, muitos entoando gritos de apoio.
A CNN confirmou a localização exata do registro no bairro Al Sabra, marcado por edifícios destruídos pelos bombardeios israelenses recentes, o que sugere que as imagens foram gravadas nos últimos dias, provavelmente após o início da trégua em 12 de outubro. No entanto, a data precisa do episódio não pôde ser verificada de forma independente. Imagens aéreas da área mostram prédios colapsados e escombros espalhados, reflexo da ofensiva israelense que forçou a evacuação temporária da zona.
O Centro Al-Mezan para os Direitos Humanos, uma organização não governamental palestina, classificou o ato como uma "execução extrajudicial de cidadãos" e exigiu apuração imediata, com responsabilização dos envolvidos. A entidade relatou confrontos prévios entre homens armados em Al Sabra e no vizinho Tel al-Hawa, iniciados logo após o cessar-fogo, onde agressores teriam tentado deter suspeitos. "Os confrontos resultaram em baixas entre familiares e a força agressora. Após a prisão de vários familiares, o vídeo mostrando a execução de vários cidadãos circulou amplamente nas redes sociais", informou o centro, destacando que nenhuma autoridade local emitiu nota oficial sobre o caso. Além disso, o Al-Mezan mencionou outras violações, como tiros em pernas de civis e a morte de um jornalista na mesma região, condenando a "onda de execuções sumárias sem julgamento" que não pode ser justificada de modo algum.
Fontes de segurança em Gaza indicam que o Hamas matou pelo menos 33 pessoas desde o fim da semana passada, incluindo 32 membros de um clã local considerado uma "gangue" pelo grupo, em operações descritas como combate ao crime e à colaboração. A força de segurança Radaa, vinculada ao Hamas, assumiu posições na Cidade de Gaza e anunciou "varreduras e prisões de indivíduos que participaram de tiroteios, assassinatos de deslocados e ataques a civis". Em comunicado na segunda-feira (13), a Radaa afirmou ter realizado uma "operação precisa no centro da Cidade de Gaza, resultando na neutralização de vários indivíduos procurados e foragidos", além de deter "um grande número de colaboradores e indivíduos operando fora da lei". O texto mencionou a captura de "elementos fora da lei" que atiraram contra forças de segurança e de pessoas implicadas em cooperação com milícias armadas durante a guerra no sul de Gaza, sem apresentar evidências concretas.
Os embates parecem ter raízes em uma rixa específica com a família Doghmush, um clã influente baseado em Al Sabra, conhecido por tensões históricas com o Hamas. Canais do Telegram ligados ao grupo relataram que a violência irrompeu após a morte de Muhammad Imad Aql, filho de um alto comandante militar do Hamas, em tiroteios no bairro. Testemunhas descreveram mais de 300 combatentes cercando o Hospital Jordano na Cidade de Gaza, com pelo menos 27 mortes confirmadas no confronto 19 do clã Doghmush e oito de militantes do Hamas, segundo fontes médicas. A família Doghmush, em declaração pública, expressou choque com uma "campanha interna angustiante que tem como alvo nossos filhos inocentes, envolvendo assassinatos, intimidação, tortura e queima de casas com seus moradores dentro, sem qualquer justificativa e sob falsos pretextos que não têm relação com a realidade". Eles destacaram a perda de cerca de 600 membros na guerra atual e acusaram o Exército israelense de uma "campanha brutal" após rejeitarem recrutamento pela ocupação. "O que está acontecendo hoje é um crime hedionho cometido contra uma família conhecida por sua firmeza, determinação e rejeição a todas as formas de colaboração e traição", prosseguiu o texto. "Consideramos todos aqueles que participaram, contribuíram ou permaneceram em silêncio sobre esses crimes totalmente responsáveis diante de Deus e da história."
O episódio se insere em uma série de ações do Hamas para preencher o vácuo de segurança deixado pela saída israelense, incluindo o recall de até 7.000 combatentes e patrulhas em mercados e campos de refugiados. Especialistas em terrorismo, como Hans-Jakob Schindler, do Counter Extremism Project, alertam que, sem uma força de estabilização árabe na segunda fase da trégua, o vazio de poder pode gerar violência estilo Estado Islâmico, agravando a crise humanitária em uma Gaza devastada pela fome que afeta mais de meio milhão de pessoas.O vídeo das execuções ganhou repercussão global, inclusive pelo Ministério das Relações Exteriores de Israel, que o usou para criticar o Hamas. "O grupo terrorista governa através do medo executando civis, torturando dissidentes, atirando em quem ousa protestar. Palestinos em busca de comida ou liberdade são recebidos com balas, não com compaixão. Não é resistência é tirania", declarou o ministério, argumentando que as imagens justificam o fim do grupo.
Do lado americano, o presidente Donald Trump, que intermediou o acordo de cessar-fogo de 20 pontos, comentou a reafirmação do Hamas durante viagem ao Oriente Médio na segunda-feira. Questionado sobre o policiamento temporário do território pelo grupo, ele respondeu: "Eles querem acabar com os problemas. Eles foram abertos sobre isso e nós os aprovamos por um período". Trump acrescentou que o Hamas perdeu "provavelmente 60 mil pessoas" na retaliação israelense e que, com quase 2 milhões de deslocados retornando a ruínas, "muitas coisas ruins podem acontecer. Então, queremos que seja seguro. Acho que vai ficar tudo bem... quem sabe ao certo... mas acho que vai ficar tudo bem." Seu plano prevê anistia para membros do Hamas que se comprometam com a "coexistência pacífica e a desmantelar suas armas", mas Israel pressiona pelo desarmamento total, uma cláusula ainda em disputa.
A trégua, no entanto, enfrenta obstáculos adicionais: na terça-feira (14), o Hamas entregou corpos de quatro reféns falecidos à Cruz Vermelha, mas um deles não era israelense, segundo o Exército de Israel possivelmente um palestino de Gaza mal identificado. Em retaliação ao atraso na liberação de restos mortais, Israel reduziu pela metade o número de caminhões de ajuda humanitária permitidos na entrada de Gaza a partir de quarta-feira (15), limitando de 600 para 300 diários, e adiou a abertura da fronteira sul com o Egito. Autoridades israelenses esperam mais entregas de corpos nesta quarta, mas pelo menos 21 reféns mortos permanecem em poder do Hamas, complicando o avanço para a fase dois do acordo.
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