Ex-primeira-ministra de Bangladesh é condenada à morte por crimes contra a humanidade

Sheikh Hasina é julgada à revelia e governo interino exige extradição da Índia após repressão letal a protestos estudantis
Por: Brado Jornal 17.nov.2025 às 09h42
Ex-primeira-ministra de Bangladesh é condenada à morte por crimes contra a humanidade
Foto: Reuters/Andrew Gombert/Pool
Em um veredito anunciado nesta segunda-feira (17) sob intensa vigilância de segurança em Daca, o Tribunal Internacional de Crimes de Bangladesh impôs a pena capital à ex-primeira-ministra Sheikh Hasina por sua responsabilidade em uma série de atrocidades durante a violenta supressão de uma revolta popular liderada por estudantes em 2024. O julgamento, que durou vários meses e ocorreu sem a presença da acusada, destacou ordens diretas para o emprego de armamento pesado contra manifestantes desarmados, configurando violações graves aos direitos humanos.

O levante, conhecido como "revolução de julho" e impulsionado pela Geração Z, eclodiu entre julho e agosto do ano passado contra um controverso mecanismo de cotas para vagas públicas que favorecia descendentes de combatentes da independência de 1971, em detrimento de jovens qualificados. O que começou como uma demanda por equidade no emprego governamental reservando um terço das posições para familiares de veteranos da guerra contra o Paquistão transformou-se em um amplo clamor por reformas democráticas, expondo anos de autoritarismo sob o mandato de Hasina. A resposta estatal incluiu o uso de drones, helicópteros e munição real por forças policiais e militares, resultando no episódio de violência política mais sangrento desde a fundação do país em 1971.

De acordo com relatórios da ONU, o saldo foi devastador: estimativas apontam para até 1.400 mortes, incluindo centenas de execuções extrajudiciais de civis, e cerca de 25 mil feridos, predominantemente por tiros de agentes de segurança. O tribunal, um órgão especializado em julgar crimes de guerra, concluiu que todos os requisitos para crimes contra a humanidade foram preenchidos, abrangendo incitamento, comandos para assassinatos e omissão em coibir as barbaridades. "Todos os elementos constitutivos de um crime contra a humanidade estão reunidos. Decidimos impor uma única pena, a pena de morte", declarou o juiz Golam Mortuza Mozumder ao ler a decisão para uma plateia tensa.

Hasina, de 78 anos, que assumiu o poder em 2009 e liderou o país por 15 anos como uma das figuras femininas mais influentes da Ásia, fugiu para a Índia em agosto de 2024, no auge da insurreição que derrubou seu regime. Filha de Sheikh Mujibur Rahman, o pai da nação que encabeçou a luta pela separação do Paquistão, ela inicialmente se posicionou como defensora da democracia, mas seu longo período no governo foi assombrado por denúncias de corrupção, prisões arbitrárias de opositores, censura à imprensa e desaparecimentos forçados abusos amplamente documentados por organizações de direitos humanos e pela própria ONU. Sob sua administração, a economia bangladeshi avançou, especialmente no setor têxtil, mas a um custo de erosão das liberdades civis.

A condenação, que também abrangeu uma sentença de prisão perpétua por acusações paralelas de homicídios específicos durante a revolta, foi proferida em um contexto de transição delicada. Desde a saída de Hasina, o Bangladesh de 170 milhões de habitantes é administrado por um governo provisório sob Muhammad Yunus, vencedor do Nobel da Paz, que por anos sofreu perseguições e uma condenação por corrupção sob o antigo regime. O atual executivo, formado por muçulmanos em sua maioria, solicitou formalmente à Índia a repatriação de Hasina para execução da pena, embora ela tenha o direito de apelar à Suprema Corte local. Seu defensor público, designado pelo Estado e presente no processo, argumentou veementemente pela inocência da ex-líder, pedindo absolvição ao afirmar que as imputações careciam de base sólida.

Em reação imediata, Hasina, exilada e sem acesso direto às audiências, repudiou o resultado como produto de um "tribunal manipulado" por um governo não eleito, sem legitimidade democrática. "A sentença é enviesada e com motivação política", disparou ela, questionando a imparcialidade do júri e alegando falta de notificação adequada para preparar uma defesa robusta. A ex-primeira-ministra insistiu que seu gabinete "perdeu o controle da situação" no calor dos eventos, mas negou qualquer planejamento deliberado de ataques contra a população: "não é possível caracterizar o que ocorreu como um ataque premeditado contra cidadãos". Além disso, ela enfatizou a ausência de ampla defesa e expressou determinação em confrontar os promotores em um foro imparcial: "pretendo enfrentar meus acusadores em um tribunal adequado, onde as provas possam ser avaliadas e examinadas de forma justa". Seu filho e conselheiro, Sajeeb Wazed, havia sinalizado previamente à Reuters que não haveria apelação enquanto o poder não retornasse a um executivo eleito com inclusão da Liga Awami, o partido de Hasina, agora vetado de disputar as eleições parlamentares marcadas para fevereiro de 2026.

Promotores apresentaram durante o debate provas concretas, como gravações de discursos inflamados de Hasina e uma ligação telefônica para seu auxiliar Shakeel, na qual ela supostamente instruiu a eliminação de 226 indivíduos vinculados a inquéritos contra ela. O veredito, lido por um painel de três juízes, ecoa temores de instabilidade: analistas alertam que a decisão pode reacender tensões sociais às vésperas do pleito, com protestos já reportados fora da residência demolida de Sheikh Mujibur Rahman em Daca, onde manifestantes clamavam por justiça.

Familiares de vítimas dos protestos, como os que perderam entes queridos na "revolução de julho", celebraram o desfecho como um passo para responsabilização, com um parente declarando à imprensa: "Ela é a que nos destruiu". O governo interino, por sua vez, refutou acusações de viés, destacando a transparência do processo e a ausência de críticas formais de entidades de direitos humanos internacionais.

O caso não só fecha um capítulo sombrio na história recente de Bangladesh, mas também ilustra as cicatrizes de um regime que priorizou o crescimento econômico com avanços notáveis na indústria de vestuário sobre a accountability, deixando um legado de trauma coletivo e divisões profundas.


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