Jeannette Jara e José Antonio Kast avançam ao segundo turno na eleição presidencial chilena

Disputa polarizada por crime e imigração define confronto entre esquerda e extrema-direita em 14 de dezembro
Por: Brado Jornal 17.nov.2025 às 09h12
Jeannette Jara e José Antonio Kast avançam ao segundo turno na eleição presidencial chilena
Os candidatos presidenciais do Chile, Franco Parisi, Jeannette Jara, Marco Enriquez-Ominami, Johannes Kaiser, Jose Antonio Kast, Eduardo Artes, Evelyn Matthei e Mayne-Nicholls — Foto: REUTERS/Pablo Sanhueza
A votação inicial das eleições presidenciais no Chile, ocorrida no domingo (16), não produziu um vencedor absoluto, levando a um confronto decisivo entre a candidata da esquerda, Jeannette Jara, do Partido Comunista e respaldada pelo presidente Gabriel Boric, e o representante da extrema-direita, José Antonio Kast, do Partido Republicano. Com quase todos os votos contados, Jara obteve 26,85% das preferências, enquanto Kast alcançou 23,93%, conforme dados oficiais do Servel, o serviço eleitoral nacional.

Essa polarização reflete uma nação dividida, onde temas como o aumento da criminalidade e as tensões com a imigração dominam as discussões. Diferente de 2021, quando Boric, aos 35 anos, assumiu como o presidente mais jovem da história impulsionado por protestos contra a desigualdade e promessas de uma nova Constituição que acabou não se concretizando, o cenário atual prioriza a segurança pública. A taxa de homicídios no país mais que dobrou em uma década, saltando de 2,3 por 100 mil habitantes em 2015 para 6,0 em 2024, e os sequestros bateram recorde em 2024, com mais de 860 casos registrados.

A onda migratória, especialmente de venezuelanos fugindo do regime de Nicolás Maduro, agravou o quadro: quase 700 mil vivem no Chile hoje, e muitos eleitores ligam essa chegada ao crescimento da violência. O norte chileno, vizinho de produtores de drogas como Peru e Bolívia, virou alvo de redes criminosas internacionais. Raul Arancibia, ex-procurador-chefe da região de Tarapacá, recorda o primeiro contato com o “Tren de Aragua” em 2021, quando duas mulheres foram detidas com entorpecentes na fronteira. “Nem mesmo os criminosos chilenos estavam acostumados com esse tipo de violência, então tiveram que se adaptar”, disse ele. O Tren de Aragua, gangue venezuelana de tráfico de drogas classificada como terrorista pelos Estados Unidos em 2025, expandiu-se para extorsão, tortura e assassinatos encomendados, espalhando-se rapidamente.

Lucia Dammert, socióloga da Universidade de Santiago e especialista em crime organizado na América Latina, afirma que o aumento da imigração e da criminalidade criou um duplo choque para o Chile, que não estava acostumado a nenhum dos dois problemas. “Ainda não nos recuperamos desses choques”, disse Dammert. “E isso se reflete fortemente no debate político, que não conseguiu superá-los e acabou se alimentando desses problemas.”

Para enfrentar isso, o governo de Boric elevou o orçamento policial, sancionou leis mais duras, formou equipes especiais contra o crime organizado e posicionou militares na fronteira, resultando na captura de centenas de membros do Tren de Aragua. Ainda assim, Dammert alerta: “Às vezes olhamos demais para os grupos criminosos transnacionais e esquecemos de olhar para os nossos. No fim das contas, a maioria das pessoas presas é chilena, e a maioria das gangues também é comandada por chilenos.”

No primeiro turno, os demais concorrentes ficaram para trás: Franco Parisi (direita) com 19,71%, Johannes Kaiser (direita) com 13,94%, Evelyn Matthei Fornet (direita) com 12,46%, Harold Mayne-Nicholls Secul com 1,26%, Marco Antonio Enríquez-Ominami Gumucio com 1,20% e Eduardo Antonio Artés Brichetti com 0,66%. Kaiser, o radical libertário, endossou Kast logo após os resultados, declarando apoio porque “a alternativa é a Sra. Jara” e os “esquerdistas empobrecedores do Chile”.

Jara, de 51 anos e ex-ministra do Trabalho, surgiu como favorita nas pesquisas pré-eleitorais, com cerca de 30% de intenção de votos, à frente de Kast, que rondava 20%. Apesar da liderança inicial — com 26,45% contra 24,46% quando 40% das urnas foram apuradas, analistas preveem dificuldades para ela no balotage, previsto para 14 de dezembro, devido ao anticomunismo arraigado em uma economia liberal como a chilena. Após votar em Santiago, ela criticou os oponentes por “exacerbar o medo”. Isso não “serve para governar um país [...] é preciso ter capacidade de realizar acordos, ter capacidade de diálogo”, disse. Sua agenda inclui revogar o sigilo bancário para desmantelar finanças criminosas, deportar estrangeiros condenados por tráfico, reforçar a fronteira e, além da segurança, elevar o salário mínimo, impor teto a preços de remédios e fundar a Empresa Nacional de Lítio para impulsionar a transição energética.

Kast, de 59 anos, ex-deputado católico devoto e opositor ao casamento homoafetivo e ao aborto, capitaliza o descontentamento com sua plataforma de ordem e lei, prometendo expulsar imigrantes indocumentados e erguer o “Escudo da Fronteira” com muro de 5 metros, trincheiras de 3 metros e cercas elétricas na divisa norte. Ele também defende cortes em gastos públicos e parcerias público-privadas em saúde e educação. “Queremos mudança, e essa mudança hoje é sobre segurança”, expressou José Hernández, de 60 anos, dono de empresa agrícola e eleitor de Kast, após votar. “Essa fase da minha vida deveria ser de prazer. Mas chego em casa às 21h por medo.”

A eleição simultânea para a Câmara dos Deputados e o Senado viu a direita conquistar maioria parcial, intensificando a tensão para o runoff. Jara, de origem operária, representa um marco histórico para o Partido Comunista, sem tanto apoio desde o retorno à democracia. “Este é um grande país”, afirmou ela do QG de campanha em Santiago. “Quero dar um abraço caloroso a todos que votaram em mim.” Kast, em sua terceira tentativa presidencial, elogiou as forças de segurança e descreveu o Chile em “crise aguda”, com criminosos aterrorizando a população.

Para mitigar a crise de custo de vida que em 2019 gerou as maiores agitações sociais desde o fim da ditadura de Pinochet em 1990, Jara propõe uma renda mensal vital de cerca de US$ 800 via subsídios e aumentos salariais mínimos, além de investimentos em infraestrutura e moradia. Kast, ao contrário, aposta em austeridade. Analistas esperam que ambos moderem posições para atrair o centro no segundo turno, em um país que oscila entre visões opostas após anos de sucesso neoliberal agora questionado.


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