Brasileiros buscam cidadania do Benin para reconectar raízes africanas

Lei de nacionalidade incentiva reparação histórica e reconexão cultural
Por: Brado Jornal 23.out.2025 às 10h33
Brasileiros buscam cidadania do Benin para reconectar raízes africanas
Foto: Arquivo pessoal via BBC
Um número crescente de brasileiros afrodescendentes está buscando a cidadania do Benin, país da África Ocidental que foi origem de milhões de escravizados enviados ao Brasil durante o período colonial. A iniciativa é impulsionada por uma lei aprovada em 2024 pelo governo beninense, que concede nacionalidade a afrodescendentes com ancestralidade na África subsaariana, como parte de um movimento de reparação histórica e incentivo ao turismo e investimentos.

Clayton Muniz Filho, consultor de vendas de 29 anos, morador de São Paulo, é um dos brasileiros que buscam essa cidadania. Neto de uma mulher negra da Bahia, ele enfrentou dificuldades para rastrear sua ancestralidade devido à ausência de registros, um problema comum entre descendentes de escravizados. “Um descendente de italianos consegue saber que o tataravô veio da Itália para produzir vinho, por exemplo. Mas, se você é puramente negro, não tem esse privilégio de saber sobre sua linhagem, a origem de sua família. Houve um apagamento desses registros ao longo da história”, diz Clayton. Após um teste de DNA revelar que 30% de sua ancestralidade vem da região do Benin, ele decidiu solicitar a cidadania, vendo o processo como “uma peça de quebra-cabeça” para completar sua história familiar.

A lei beninense permite que qualquer pessoa com mais de 18 anos, que não seja cidadã de outro país africano e tenha ancestralidade subsaariana, solicite a cidadania. A comprovação pode ser feita por documentos históricos ou testes de DNA, já que muitos registros foram destruídos, como os queimados por ordem de Rui Barbosa em 1890, após a abolição da escravatura, para evitar reivindicações de indenizações por ex-senhores de escravos. O processo de solicitação é feito online, pela plataforma My Afro Origins, com uma taxa de 100 dólares e prazo de três meses.

O advogado Alessandro Vieira Braga, que auxiliou brasileiros no processo antes da plataforma online, destaca que a motivação é mais cultural do que prática: “É um movimento de volta às origens, uma questão de orgulho cultural e de identificação com o pan-africanismo”. A cidadania permite residência no Benin e acesso a um passaporte, mas não concede direitos políticos, como votar, que exigem cinco anos de residência. Segundo o Passport Index, o passaporte brasileiro está em 11º lugar globalmente, enquanto o do Benin ocupa a 71ª posição.

Reconexão histórica e cultural O Benin, antigo Reino de Daomé, foi um dos principais pontos de saída de escravizados para as Américas entre os séculos 16 e 19. Estima-se que 4,9 milhões de africanos chegaram ao Brasil, especialmente a Salvador, Recife e Rio de Janeiro, para trabalhar em lavouras e engenhos. O monumento “Porta do Não Retorno”, em Ouidah, simboliza esse trágico passado e é hoje um ponto turístico, assim como a comunidade dos agudás, descendentes de afro-brasileiros que retornaram à África no século 19, com sobrenomes como Medeiros e Sousa.

A lei de cidadania também visa atrair talentos e investimentos. Figuras públicas, como a filósofa brasileira Sueli Carneiro, que recebeu a cidadania em 2024, e a cantora americana Ciara, agraciada em julho de 2025, foram convidadas a visitar o país. O cineasta Spike Lee e sua esposa, Tonya Lee, foram nomeados embaixadores da diáspora afro-americana, enquanto Lauryn Hill também esteve no Benin a convite do governo.

O presidente Patrice Talon, adepto do pan-africanismo, governa desde 2016 e busca reconectar a diáspora africana. Apesar de críticas recentes por tendências autoritárias, ele descarta um terceiro mandato em 2026. Nascido em Ouidah, Talon promove a reaproximação com as Américas, como visto em visitas ao Brasil em 2024 e 2025, onde se reuniu com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. “Talon quer que todos os afrodescendentes das Américas, ao chegarem em Salvador, enxerguem o museu [Casa do Benin] como um pedaço da África”, diz Marcelo Sacramento de Araújo, cônsul honorário do Benin em Salvador.

A Casa do Benin, em Salvador, criada em 1988, é um símbolo dessa conexão cultural e será modernizada, segundo Sacramento. O Benin, com 14 milhões de habitantes e IDH de 0,515, tem crescido economicamente, com aumento de 14% na paridade de poder de compra entre 2022 e 2024 e PIB crescendo 7,5% em 2024. O país é o 22º mais pacífico da África Subsaariana, segundo o Global Peace Index 2024.

O sociólogo Alex Vargem destaca que a iniciativa toca “feridas abertas” da escravidão, que afetam a identidade de 56% da população brasileira, negra ou parda, segundo o IBGE. “Os afro-brasileiros não conhecem suas origens. Eles sabem que vieram da África, mas de onde?”, questiona. Ele aponta, porém, que custos e burocracia, como o teste de DNA (cerca de R$ 300), podem limitar a demanda.

Esforços para uma conexão aérea direta entre Salvador e Cotonou, que reduziria a viagem de 20 para 6 horas, estão em andamento, mas sem data definida. O chef brasileiro João Diamante, que preparou um almoço para Talon em 2024, sentiu-se em casa ao visitar o Benin, onde o akará, semelhante ao acarajé baiano, reforçou os laços culturais. “Lá eu percebi o quanto as nossas histórias estão conectadas”, afirma. Ele planeja obter a cidadania para si e suas filhas: “Só conseguimos evoluir quando sabemos de onde viemos”.



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