Em entrevista ao Jornal Nacional na noite de quinta-feira (10.jul.2025), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) detalhou a estratégia do governo brasileiro para responder à decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump (Partido Republicano), de impor uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros importados. Lula afirmou que o Brasil buscará diálogo, acionará a Organização Mundial do Comércio (OMC) e, se necessário, aplicará a Lei da Reciprocidade Econômica a partir de 1º de agosto, quando as tarifas americanas entrarem em vigor.
Lula criticou a justificativa de Trump, que vinculou a taxação ao processo judicial contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), acusado de tentativa de golpe de Estado. “É inaceitável que o presidente Trump mande uma carta pelo site dele e comece dizendo que é preciso acabar com a caça às bruxas”, disse Lula, referindo-se à defesa de Trump a Bolsonaro. “Isso é inadmissível. Primeiro porque isso aqui tem Justiça e a gente está fazendo um processo com direito à presunção de inocência. Se alguém cometeu um erro, vai ser punido. Aqui no Brasil é punido.”
O presidente destacou que a alegação de Trump sobre o aumento das tarifas é infundada. “A segunda coisa é que é inverossímil o fato pelo qual se aumentou a tarifa”, afirmou. “O presidente Trump deve estar muito mal informado, porque nos últimos quinze anos o déficit para o Brasil é de 410 bilhões de reais entre comércio e tarifas.”
Sobre as medidas brasileiras, Lula enfatizou a calma na condução do caso: “O que que eu vou fazer na verdade? Primeiro, eu não perco a calma e não tomo decisão com 39 graus de febre. O Brasil utilizará a Lei da Reciprocidade quando necessário e o Brasil vai tentar fazer com que a OMC tome uma posição para saber quem é que tá certo ou que tá errado. A partir daí, se não houver solução, nós vamos entrar com a reciprocidade já a partir de 1º de agosto, quando ele começa a taxar o Brasil.”
Lula também anunciou que se reunirá com empresários brasileiros que exportam para os EUA para avaliar o impacto das tarifas e explorar novos mercados. “Nós vamos tentar fazer todo o processo de negociação. O Brasil gosta de negociar, o Brasil não gosta de contencioso”, afirmou. “E depois que se esgotarem as negociações, o Brasil vai aplicar a Lei da Reciprocidade. E aí os empresários eu espero que estejam aliados ao governo brasileiro, porque se existir algum empresário que acha que o governo brasileiro tem que ceder e fazer tudo o que o presidente do outro país quer, sinceramente, esse cidadão não tem nenhum orgulho de ser brasileiro.”
Defesa da soberania e críticas à interferência
Lula rejeitou qualquer tentativa de interferência de Trump na Justiça brasileira, que julga Bolsonaro. “O que eu acho um desaforo muito grande e que não dá para aceitar é um cidadão, presidente de um país importante como os Estados Unidos, colocar uma carta para mim mandada por um site avocando o fim da caça às bruxas a um ex-presidente que tentou dar um golpe nesse país”, disse. Ele destacou que o processo contra Bolsonaro envolve graves acusações: “Ele não tentou dar um golpe, ele tentou preparar a minha morte, a morte do presidente da Suprema Corte, que na época era o Alexandre de Moraes, a morte do vice-presidente.” Lula corrigiu que Moraes era presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) em 2022, não do STF.
O presidente reforçou a autonomia do Judiciário brasileiro: “Aqui no Brasil a nossa Justiça tem autonomia. O Poder Judiciário é um poder autônomo, como é o Legislativo. E aqui a gente obedece regras. O que o presidente Trump tem que saber é que se aqui no Brasil ele tivesse feito o que ele fez nos Estados Unidos com as eleições, ele também estaria sendo processado, estaria sendo julgado e se fosse culpado, ele seria preso.”
Lula também respondeu às críticas sobre sua visita à ex-presidente argentina Cristina Kirchner, condenada por corrupção. “Eu nunca me preocupei que o Trump recebesse o Bolsonaro ou qualquer pessoa. É direito de cada presidente fazer o que quiser. O que não é direito é um presidente querer dar palpite na decisão de Justiça de um país”, disse. Ele completou: “Você nunca viu eu me meter numa decisão da Justiça americana. Nunca viu. E o que eu espero é reciprocidade, que ele também não se meta nos problemas brasileiros.”
Brics e relações internacionais
Sobre a possibilidade de as críticas ao Brasil estarem ligadas à cúpula do Brics, Lula negou qualquer relação. “O Brics é um fórum que ocupa hoje metade da população mundial e quase 30% do PIB mundial. E dentro do Brics estão países que participam do G20. Dez países dos Brics participam do G20, de que o Trump participa. Segunda coisa, nós temos três países que foram convidados do G7 agora. Quatro países, Brasil, México, África do Sul e Índia. Quarta coisa, o Brics é um agrupamento de países que trabalha em prol do sul global. Nós cansamos de ser subordinados ao norte”, afirmou.
Ele também mencionou discussões no Brics sobre alternativas ao dólar no comércio internacional: “As coisas vão continuar melhorando e nós estamos discutindo inclusive a possibilidade de ter uma moeda própria ou quem sabe com as moedas de cada país a gente fazer comércio sem precisar utilizar o dólar, porque nós não temos a máquina de rodar dólar, só os Estados Unidos que têm. E nós não precisamos disso para fazer comércio exterior.”
Lula questionou a irritação de Trump com o Brics: “Agora, achar que o Brics é a razão pela qual o Trump ficou nervoso… o Brasil nunca ficou nervoso com a participação do G7. O Brasil nunca ficou nervoso com as coisas que os Estados Unidos faz. Cada país tem soberania de fazer aquilo que quer. Então eu penso que o presidente Trump precisa se cercar de pessoas que o informe corretamente sobre como é virtuosa a relação Brasil-Estados Unidos.”
Relação com Trump e tom diplomático
Sobre a falta de diálogo direto com Trump desde sua reeleição, Lula afirmou que enviou uma carta de congratulações, mas não viu necessidade de contato até o momento. “Na hora que houver necessidade de conversar com o Trump, eu não tenho nenhum problema de ligar para ele”, disse. “Agora, é preciso ter uma razão para ligar. Os presidentes não ficam ligando para contar piada.
Ele, por exemplo, poderia ter ligado para o Brasil para dizer da medida que ele vai tomar. (…) Ele publicou no site dele, uma total falta de respeito, que é um comportamento dele com todo mundo. E eu não sou obrigado a aceitar esse comportamento desrespeitoso. Educação é bom e a gente gosta de receber, gosta de dar e o Brasil quer ser bem tratado.”
Lula concluiu defendendo a soberania brasileira: “Essa é a hora da gente mostrar que o Brasil quer ser respeitado no mundo, que o Brasil é um país que não tem contencioso com nenhum país do mundo e que, portanto, a gente não aceita desaforamento contra o Brasil.” Ele reiterou que o Brasil formará uma comissão com empresários e o governo para avaliar os impactos e buscar soluções, incluindo a abertura de novos mercados para produtos brasileiros.
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