A violência com armas de fogo se consolidou como uma realidade cotidiana para os habitantes de Salvador, independentemente de residirem em zonas centrais, áreas privilegiadas ou periferias. Dados do Instituto Fogo Cruzado indicam que, de janeiro a agosto de 2025, 146 dos 171 bairros da cidade tiveram pelo menos um registro de confronto armado, o que equivale a 85,38% do total de logradouros. No acumulado do ano até 17 de setembro, a capital baiana somou 856 tiroteios, causando 647 óbitos e 188 ferimentos.
Entre as localidades mais impactadas, destacam-se Tancredo Neves, com 29 incidentes, seguido por Lobato e Mussurunga, ambos com mais de 25 confrontos cada, formando o trio de bairros com maior incidência de violência armada. Federação e Fazenda Coutos também integram o grupo dos cinco mais afetados, refletindo a dispersão do problema em diferentes regiões da cidade. Esses números reforçam que os episódios de disparos se espalham de maneira persistente, especialmente em comunidades periféricas e de população majoritariamente negra, agravados por disputas no tráfico de drogas e armas, além da atuação policial intensa nessas áreas.
Especialistas em segurança pública atribuem essa distribuição à dinâmica do crime organizado na Bahia, onde múltiplas facções disputam territórios, gerando conflitos frequentes. Horácio Hastenreiter, professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba) e especialista no tema, explica que "quando há um poder consolidado em um grupo apenas, a população do entorno é menos impactada. São Paulo, por exemplo, registrou uma queda significativa no número de homicídios depois que uma facção se tornou dominante no estado. Isso ocorre devido à redução dos conflitos quando um desses grupos se torna hegemônico no local e consegue coibir as disputas internas".
Dudu Ribeiro, integrante da Rede de Observatórios da Segurança na Bahia, demonstra apreensão com os indicadores e aponta fatores como o mercado ilegal de entorpecentes, a presença marcante das forças policiais nas comunidades e as escolhas de investimento dos administradores públicos como elementos centrais para o agravamento da situação. “Estamos diante de um quadro em que há uma mudança no topo da lista de bairros com mais trocas de tiro ao longo dos meses e isso demonstra que a violência armada está espalhada de forma crônica, sobretudo nos bairros mais negros, nos bairros periféricos e que sofrem com outro conjunto muito grande de violências institucionais”, pondera.
Ribeiro ainda enfatiza a necessidade de aprimorar operações de inteligência e implementar políticas de inclusão social nos territórios mais conflituosos, com o objetivo de fomentar uma cultura de paz e um enfrentamento ao crime que priorize a preservação da vida. “É necessário que a segurança pública seja pensada a partir da proteção desses territórios e da promoção de direitos no combate à violência. Também temos o desafio de atender as pessoas que estão no sistema prisional e que devem ser reconhecidas como cidadãos de direitos, sendo acolhidas pelo serviço de assistência social, saúde e educação para construímos percursos de vida mais protetivos para essas pessoas”, finaliza Dudu.
Em contraste, 25 bairros permaneceram livres de tiroteios ao longo de 2025, incluindo alguns que historicamente enfrentaram altos índices de violência armada. A lista abrange Alto das Pombas, Amaralina, Boa Viagem, Boa Vista de São Caetano, Cabula VI, Cajazeiras II, Cajazeiras VII, Calabar, Chame-Chame, Colinas de Periperi, Dois de Julho, Doron, Granjas Rurais Presidente Vargas, Ilha de Bom Jesus dos Passos, Ilha de Maré, Ilha dos Frades/Ilha de Santo Antônio, Lapinha, Nova Esperança, Pituaçu, Roma, Santo Agostinho, Saramandaia, Saúde, Stiep e Vitória.Atualizações recentes de 2025 revelam tendências adicionais na violência armada. No primeiro semestre, Salvador e a Região Metropolitana (RMS) registraram 839 tiroteios, resultando em 700 mortes e 164 feridos, com 42% dos incidentes ligados a ações policiais, segundo o Instituto Fogo Cruzado. Em abril, o mês mais letal até então, foram 155 confrontos na RMS, com 131 óbitos, destacando bairros como Fazenda Grande I, Jardim Nova Esperança e Engenho Velho da Federação. Além disso, 19 pessoas foram vítimas de balas perdidas no período, sendo nove durante operações policiais.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) informa que as ações contra o crime organizado foram reforçadas em 2025 por forças estaduais e federais, levando a um aumento de 20% nas apreensões de armas e a uma redução de 6% nos homicídios, latrocínios e lesões corporais seguidas de morte em todo o estado. De janeiro a agosto, quase 5 mil armas de fogo foram retiradas de circulação, contribuindo para uma queda de 7,3% nas mortes violentas no primeiro semestre, totalizando 2.053 casos na Bahia, contra 2.214 em 2024. Em Salvador, a diminuição foi ainda mais acentuada, de 16,6%, com 398 registros. A pasta destaca prisões de 11.247 indivíduos, incluindo 30 líderes de facções, e investimentos em inteligência e estrutura para sustentar esses avanços.
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