Detenção na CPI do INSS: Líder de organização pesqueira é detido por declarações falsas

Acusado de ocultar ligações com esquema de fraudes, Abraão Lincoln enfrenta prisão em flagrante após oitiva que expôs movimentações suspeitas de centenas de milhões
Por: Brado Jornal 04.nov.2025 às 10h31
Detenção na CPI do INSS: Líder de organização pesqueira é detido por declarações falsas
Foto : Carlos Moura/Agência Senado
Na sessão noturna de segunda-feira (3), que se estendeu até as primeiras horas desta terça-feira (4), a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS avançou em suas investigações sobre fraudes em benefícios previdenciários ao decretar a detenção imediata de Abraão Lincoln Ferreira da Cruz, atual presidente da Confederação Brasileira dos Trabalhadores da Pesca e Aquicultura (CBPA). A medida, proposta pelo relator deputado Alfredo Gaspar (União-AL) e aprovada pelo presidente da comissão, senador Carlos Viana (Podemos-MG), marca a terceira ordem de prisão emitida pela CPMI desde sua instalação, reforçando o escrutínio sobre entidades que atuam como facilitadoras de desvios sistemáticos contra aposentados e pensionistas.

A CBPA, uma das principais entidades sob suspeita na Operação Sem Desconto ação da Polícia Federal lançada em abril de 2025 para desmantelar descontos irregulares em proventos do INSS entre 2019 e 2024, já teve seus bens e os de seu líder bloqueados por determinação da Advocacia-Geral da União (AGU). Segundo relatórios preliminares da comissão, a organização representa um dos pilares centrais da rede criminosa revelada pela operação, com prejuízos estimados em R$ 221,8 milhões apropriados de forma recorrente e organizada dos direitos de cerca de 240 mil beneficiários. Além disso, alertas do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) destacam transações atípicas de R$ 410 milhões em uma conta mantida no Banco do Brasil, localizada em Ceilândia, região periférica de Brasília, no intervalo de maio de 2024 a maio de 2025. Nesse período, registraram-se entradas de R$ 205,5 milhões e saídas de R$ 204,4 milhões, valores incompatíveis com as atividades declaradas da confederação.

A entidade mantém conexões comerciais com firmas ligadas a Antônio Carlos Camilo Antunes, conhecido como Careca do INSS figura central nas investigações por intermediar golpes em associações, além de laços financeiros com figuras políticas nos estados do Rio Grande do Norte, Paraíba e Maranhão. Em âmbito nacional, a CBPA exerce influência significativa na capital federal, ocupando uma vaga no Conselho Nacional de Aquicultura e Pesca (Conape), vinculado ao governo federal, representada pelo deputado estadual Juscelino Miguel dos Anjos (Republicanos-PB). Abraão Lincoln, por sua vez, carrega um histórico de controvérsias: ele foi removido judicialmente da presidência da extinta Confederação Nacional dos Pescadores e Aquicultores (CNPA) devido a indícios de comercialização irregular de autorizações de pesca, e atualmente responde a ações por crimes de corrupção e lavagem de capitais.

O depoimento de Abraão Lincoln à CPMI, realizado sob proteção de um habeas corpus preventivo concedido pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), começou com o testemunha optando pelo silêncio em resposta a todas as indagações iniciais. Essa postura, interpretada como estratégia para evitar autoincriminação, não impediu a escalada das tensões. Logo no início, o relator Alfredo Gaspar sinalizou as consequências: "Ao final do depoimento eu vou escolher exatamente os motivos do pedido de prisão em flagrante por falso testemunho por calar a verdade. Para mim não muda muito o efeito. Não vou de forma nenhuma questionar o motivo de ele manter-se em silêncio em perguntas que não o autoincriminam. Isso talvez vá me ajudar no final dos trabalhos."

À medida que a oitiva prosseguiu, Gaspar identificou pelo menos quatro instâncias de supostas omissões e contradições, justificando o requerimento de prisão em flagrante. Inicialmente, o depoente evitou mencionar qualquer familiaridade com o Careca do INSS, calando-se sobre o tema, embora evidências posteriores indicassem contatos diretos o que foi visto como esforço deliberado para suprimir fatos relevantes. Em seguida, ao ser questionado sobre os vínculos com Gabriel Negreiros, Abraão descreveu a conexão como meramente "institucional", mas o relator demonstrou, com base em provas colhidas, que se tratava de uma proximidade bem mais estreita e operacional.

O terceiro episódio envolveu a omissão quanto aos poderes amplos concedidos a Adelino Rodrigues Junior para gerir e transferir fundos da CBPA, o que, na visão de Gaspar, configurou tanto declarações imprecisas quanto recusa em revelar a verdade: "Em ambas, fez afirmações falsas e calou a verdade." Por último, indagado sobre sua saída da CNPA, Abraão alegou renúncia voluntária; no entanto, o senador Fabiano Contarato (PT-ES) apresentou documentação comprovando que a remoção ocorreu por ordem judicial, expondo outra discrepância flagrante.

Com base nesses pontos, o relator formalizou o pedido: "Em quatro oportunidades, o depoente, na qualidade de testemunha nesta Casa faltou com a verdade, fez afirmação falsa ou calou a verdade. E por conta disso solicito a Vossa Excelência, em respeito ao povo brasileiro e aos parlamentares, que o depoente seja preso em flagrante." Viana, ao acatar a solicitação, encerrou a sessão com uma declaração veemente, ecoando o impacto das fraudes sobre os vulneráveis: "Em uma série de oportunidades, o depoente, estando na condição de testemunha, fez afirmação falsa, negou e calou a verdade. Em nome dos aposentados, quase 240 mil que a CBPA enganou, senhor Abraão Lincoln da Cruz, o senhor está preso."

Logo após o término, Abraão foi conduzido pela Polícia Legislativa à delegacia do Senado Federal, onde permaneceu detido inicialmente. Em coletiva posterior, Viana destacou que a oitiva reforçou indícios de que associações como a CBPA adquirem listas de beneficiários do INSS para perpetuar os esquemas, ampliando o alcance das fraudes além do setor pesqueiro para aposentados em geral: "Ele pelo menos em quatro oportunidades se contrariou. Tentou esconder de todas as maneiras que continuou o mesmo esquema, dessa vez ampliando, não só tirando dos pescadores, mas também dos aposentados. Acabou preso porque mentiu na CPMI." O senador também criticou o uso do silêncio como tática: "Mas o silêncio, senhoras e senhores, também fala. E o silêncio de quem deve explicações, grita mais alto que qualquer palavra."

Essa detenção se soma às anteriores determinadas pela CPMI: em 23 de setembro, o empresário Rubens Oliveira Costa, identificado pela PF como operador do Careca do INSS, e em 30 de setembro, Carlos Roberto Ferreira Lopes, presidente da Confederação Nacional de Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais (Conafer). Todas as prisões ocorreram por suspeita de falso testemunho, sinalizando o endurecimento da comissão composta por 32 titulares e igual número de suplentes entre senadores e deputados na apuração de um esquema que, segundo estimativas, drena recursos de milhões de contribuintes. A CPMI continua suas sessões para mapear a extensão da rede, com foco em responsabilizações judiciais e reformas no sistema de descontos do INSS.


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