O governo do Distrito Federal, liderado por Ibaneis Rocha (MDB), buscou junto ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma análise detalhada sobre a viabilidade de abrigar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Complexo Penitenciário da Papuda, caso sua condenação se confirme. No entanto, essa iniciativa gerou questionamentos da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), que vê o procedimento como discriminatório e defende a extensão de avaliações médicas a todos os presos do sistema penitenciário local, totalizando mais de 27 mil indivíduos.
A controvérsia ganhou forma em um ofício enviado pela comissão ao governo, destacando a necessidade de uniformidade no tratamento de saúde prisional. Assinado pelo deputado distrital Fábio Felix (Psol), presidente do colegiado, o documento critica a abordagem adotada pela Secretaria de Administração Penitenciária (Seape) e propõe que uma equipe técnica realize exames abrangentes para verificar o estado de saúde de cada interno, garantindo conformidade com normas constitucionais de igualdade.
Entre os pontos enfatizados pela comissão estão a identificação de doenças limitantes, a adequação da assistência médica e nutricional disponível nas celas, demandas por tratamentos especializados e a detecção de condições crônicas ou contagiosas que exijam cuidados contínuos. Essa demanda surge em um contexto de precariedade no sistema carcerário do DF, onde, em 2025, foram registradas 18 mortes em unidades prisionais, muitas ligadas a falhas no atendimento médico básico.
O pedido inicial da Seape, assinado pelo secretário Wenderson Souza e Teles, foi direcionado ao ministro Alexandre de Moraes, relator do caso da trama golpista, na véspera do julgamento de recursos na Primeira Turma do STF. O texto oficial solicitava: "Solicita-se que o apenado Jair Messias Bolsonaro seja submetido à avaliação médica por equipe especializada, a fim de que seja realizada avaliação de seu quadro clínico e a sua compatibilidade com a assistência médica e nutricional disponibilizados nos estabelecimentos prisionais desta Capital da República".
A justificativa incluía referências ao histórico de cirurgias abdominais de Bolsonaro e a uma internação emergencial em 16 de setembro de 2025 no Hospital DF Star, devido a complicações de saúde. O Complexo da Papuda, composto por cinco unidades de segurança máxima e média, oferece apenas serviços médicos rudimentares, com capacidade para até 1.600 detentos em alas provisórias, incluindo seções para vulneráveis como idosos e autoridades. Presos têm acesso a quatro refeições diárias e duas horas de sol, mas especialistas apontam limitações para casos complexos.
Moraes, ao analisar o requerimento em 6 de novembro, considerou-o inoportuno no estágio processual atual e determinou sua exclusão dos autos, sem entrar no mérito da saúde do ex-presidente. A decisão ocorre enquanto a pena de 27 anos e três meses imposta a Bolsonaro por participação na tentativa de golpe ainda aguarda trânsito em julgado, com regime inicial fechado obrigatório para condenações acima de oito anos. Aliados, como o senador Flávio Bolsonaro, manifestaram preocupações: ele terá "muito mais dificuldade com seu tratamento de saúde".
A proximidade entre o governador Ibaneis Rocha e a vice Celina Leão (PP) com a família Bolsonaro alimenta especulações de que o ofício visa explorar alternativas à Papuda, como prisões domiciliares ou unidades especializadas, dada a idade avançada do ex-presidente e suas recorrentes crises de refluxo e soluços. Críticos, incluindo juristas em direito penal, veem o episódio como preparo para um marco histórico: a encarceramento de um ex-mandatário por crimes contra a democracia.
A Seape informou não ter sido notificada formalmente sobre o ofício da comissão, mas o debate reacende discussões sobre superlotação e violações de direitos no DF. Analistas destacam que, sem reformas, o sistema continua vulnerável, com 90% dos óbitos em custódia ligados a negligências evitáveis. A CLDF, por meio de Fábio Felix, reforça que qualquer medida deve priorizar a dignidade humana para todos, evitando privilégios.
"Causa auspiosa surpresa a preocupação manifestada pela Seape com a adequação do sistema prisional do Distrito Federal às condições de saúde do apenado Jair Messias Bolsonaro. Essa louvável iniciativa, contudo, não pode ser aplicada de forma seletiva, sob pena de configurar violação aos princípios constitucionais mais elementares que regem o Estado Democrático de Direito", afirma o ofício da comissão, ao qual o g1 teve acesso.
Bolsonaro foi condenado a 27 anos e 3 meses. A condenação prevê que a pena deve ser cumprida em regime inicialmente fechado, já que a pena é superior a oito anos.
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