Em meio às negociações finais da conferência da ONU sobre mudanças climáticas, realizada em Belém do Pará, a presidência brasileira divulgou uma versão revisada do documento de decisão que remove completamente referências a um roteiro para a transição longe dos combustíveis fósseis – uma iniciativa impulsionada pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Além disso, o plano para erradicar o desmatamento também foi excluído do texto, após intensas resistências de nações dependentes de fontes fósseis.
O evento, sediado no centro de convenções COP30 Brasil Amazônia, com as bandeiras do Brasil e da ONU em destaque, chegou ao último dia oficial com a publicação de 15 rascunhos distintos, sinalizando dificuldades para alcançar acordo. Analistas apontam que o documento anterior gerou oposição de países árabes e do bloco LMDC (Like-Minded Developing Countries), que inclui China, Índia e Venezuela, todos com forte dependência de petróleo, carvão e gás. Diante disso, o Brasil optou por um "texto de mutirão", mais conciliador, mas que, na visão de observadores, dilui compromissos essenciais.
A reação internacional foi imediata: cerca de 30 nações, abrangendo europeus como Áustria, Bélgica, Finlândia, França, Alemanha, Holanda, Espanha e Reino Unido, além de latino-americanos (Chile, Colômbia, Costa Rica e México) e ilhas vulneráveis como Palau e Vanuatu, enviaram uma carta coletiva à presidência. Nela, alertam para os riscos de um acordo fraco e defendem a inclusão de ações concretas. "Não podemos apoiar um resultado que não inclua um roteiro para implementar uma transição justa, ordenada e equitativa para longe dos combustíveis fósseis.
Esta expectativa é compartilhada por uma vasta maioria das Partes, bem como pela ciência e pelas pessoas que acompanham de perto o nosso trabalho", diz a mensagem, conforme reportado pelo portal Carbon Brief.
O comissário europeu para o clima, Wopke Hoekstra, expressou frustração abertamente: "Isto não está nem perto da ambição que precisamos em mitigação. Estamos decepcionados com o texto atualmente em discussão".
Do lado da sociedade civil, as críticas foram veementes. O Greenpeace qualificou o rascunho como "praticamente inútil" e chamou os países a reformularem a proposta. Tracy Carty, especialista em políticas climáticas da entidade, comentou: "Este texto do mutirão é praticamente inútil, pois contribui muito pouco para reduzir a lacuna de ambição para frear o aquecimento global em 1,5°C ou para pressionar os países a acelerarem suas ações. Havia esperança nas propostas iniciais de roteiros para acabar com o desmatamento e com os combustíveis fósseis, mas esses roteiros desapareceram e estamos novamente perdidos".
O Observatório do Clima denunciou um "pacote desequilibrado com furos inaceitáveis", destacando que "tudo o que diz respeito a atacar as causas da crise climática foi eliminado do texto do mutirão". A organização acrescentou que "os roteiros para combustíveis fósseis e desmatamento sucumbiram à pressão de alguns países petroleiros".
No pavilhão da Ciência Planetária, pesquisadores reforçaram a urgência científica: "É impossível limitar o aquecimento a níveis que protejam as pessoas e a vida sem eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e acabar com o desmatamento. Nessas últimas horas, os negociadores devem trabalhar juntos para recolocar no texto os roteiros para um futuro mais seguro e próspero".
Outras vozes ecoaram o descontentamento. Andreas Sieber, diretor associado de políticas da 350.org, observou que "os rascunhos das decisões da COP30 desta manhã ficam muito aquém do salto gigantesco necessário para fechar a lacuna de ambição climática". Bronwen Tucker, líder de finanças públicas da Oil Change International, criticou: "A Presidência apresentou um texto vergonhosamente fraco que não menciona combustíveis fósseis, não estabelece responsabilidade em relação às obrigações financeiras dos países ricos e faz apenas promessas vagas sobre adaptação". Ela prosseguiu: "Um grande grupo de países tem sido vocal em seu apoio a um roteiro para a transição para longe dos combustíveis fósseis, mas as partes ricas ainda se recusam a fornecer o financiamento público sem dívidas em termos justos, que é fundamental para que isso aconteça".
Kumi Naidoo, presidente da Iniciativa do Tratado sobre Combustíveis Fósseis, enfatizou: "A falta de um plano concreto para lidar com a produção de carvão, petróleo e gás só aumenta a urgência de um Tratado sobre Combustíveis Fósseis". E concluiu: "Qualquer nação que leve a sério o cumprimento do limite de 1,5°C de aquecimento global e apoie um roteiro para a transição para longe dos combustíveis fósseis deve se juntar a este corajoso grupo de países".
Quanto ao conteúdo do rascunho, a versão original oferecia três alternativas: uma ampla sobre soluções de baixa emissão de carbono (com mínima ou nenhuma dependência de fósseis), outra sem qualquer redação e uma terceira propondo uma mesa de ministros para traçar caminhos justos e equitativos. No entanto, a atual iteração evita por completo qualquer alusão aos combustíveis fósseis. A carta dos países proponentes adverte que "expressamos profunda preocupação com a atual proposta em consideração para um 'pegar ou largar'. Um texto fraco seria lembrado como uma oportunidade perdida e lamentável, e prejudicaria a credibilidade do processo, da Presidência e do próprio regime". Com a COP30 podendo se prolongar além do prazo, as discussões prosseguem em um clima de tensão, enquanto o mundo aguarda avanços que atendam às demandas científicas para conter o aquecimento global.
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