A COP30 termina marcada por controvérsias que vão além do acordo final

Falhas na organização em Belém expõem desafios para eventos globais de clima
Por: Brado Jornal 24.nov.2025 às 10h10
A COP30 termina marcada por controvérsias que vão além do acordo final
Foto: Ueslei Marcelino/ COP30
A 30ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima, realizada na capital paraense, encerrou suas atividades no sábado (22 de novembro de 2025), com a chancela do documento conclusivo batizado de “Mutirão Global”.

O texto gerou decepções entre autoridades, pesquisadores e entidades internacionais, por não estabelecer datas-limite para o encerramento da dependência de fontes fósseis ou para o controle do desmatamento, repetindo um padrão de declarações vagas em comparação com edições prévias da cúpula. Contudo, os tropeços não se limitaram ao conteúdo negociado: o encontro foi ofuscado por entraves operacionais graves, lacunas na presença de chefes de Estado mundiais, deficiências na estrutura montada e episódios inesperados, como um sinistro que afetou o local principal.

Semanas antes do início, Simon Stiell, secretário-executivo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, endereçou uma missiva ao entorno do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), datada de 12 de novembro, cobrando medidas urgentes para mitigar as condições inadequadas observadas na preparação do fórum.

A acomodação emergiu como um dos primeiros alertas vermelhos. Tarifas exorbitantes em estabelecimentos hoteleiros da região dispararam debates meses a fio, com valores diários escalando até R$ 238 mil – um salto de dez vezes em relação à média habitual. Em 31 de julho, André Corrêa do Lago, à frente da coordenação da COP30, revelou que nações envolvidas cogitaram realocar o certame para outra cidade devido aos encargos elevados, mas a administração federal insistiu na localização original. Essa pressão resultou em desistências em massa, especialmente de representações de menor porte, forçando uma queda nos valores semanas antes da abertura e deixando acomodações vazias. Até opções mais acessíveis, como motéis, registraram ocupação pífia, frustrando os donos dos imóveis.

Para contornar o déficit de leitos, o Planalto alugou dois cruzeiros marítimos ao custo de R$ 71,7 milhões, destinando 450 suítes a delegações estrangeiras (R$ 26,3 milhões) e mais 400 à comitiva nacional (R$ 45,4 milhões). O presidente Lula e sua esposa, Janja Lula da Silva, optaram pelo iate Iana 3, atracado em dependências navais e deslocado de Manaus para cá, já que a frota local não atendia à demanda. Essa operação demandou ao menos 4 mil litros de diesel, em contraste direto com as aspirações do acordo final de transição energética.

A lista de ausentes de peso reflete as limitações da infraestrutura aeroportuária local, com pistas curtas que desencorajaram voos presidenciais diretos. Emmanuel Macron, da França, cumpriu agenda relâmpago: aportou na quinta-feira (6 de novembro) e partiu ainda no mesmo dia, pulando a sessão de fechamento e a imagem coletiva na sexta (7 de novembro). A cúpula de líderes mundiais registrou o índice mais baixo de presenças de titulares em quatro edições recentes, faltando figuras como Donald Trump (EUA), Xi Jinping (China) e Javier Milei (Argentina). Executivos dos Estados Unidos também compareceram em número reduzido, temendo repercussões da gestão Trump, que relega o debate ambiental a segundo plano.

Nas áreas comuns, o cardápio virou símbolo de excessos: um prato de arroz de pato saía por R$ 110 na praça de refeições, enquanto um espresso na central de imprensa (Zona Azul) custava R$ 25, e um espetinho com acompanhamentos no salão de jantar alcançava R$ 79 o triplo dos valores de mercado na cidade. A proibição de itens de fora, sob alegação de protocolos sanitários, originou esperas de até 60 minutos nas filas de refeição.

Chuvascos amazônicos trouxeram mais transtornos: logo no primeiro dia (10 de novembro), infiltrações no corredor da central de imprensa encharcaram o piso, forçando o isolamento da via com barreiras plásticas justamente o caminho para a transmissão de sinais audiovisuais. Na Cúpula dos Líderes, que precedeu o grosso das discussões, relatos de escassez de água potável se multiplicaram. Obras inconclusas na entrada da Zona Azul persistiram até o início, com estandes inacabados, e o calor opressivo nos pavilhões gerou queixas sobre refrigeração deficiente; os presentes recorreram a abanicos oficiais e aparelhos pessoais. Cortes intermitentes de energia e falhas nos sanitários agravaram o quadro, paralisando pautas em diversos momentos.

Manifestações adicionaram tensão ao ambiente. Na virada do segundo dia (11 de novembro), cerca de 50 ativistas, entre indígenas e apoiadores políticos (alguns identificados por camisetas do Psol), forçaram a barreira da Zona Azul sem credenciais, avariando um scanner de raios X e machucando dois guardas contratados pela ONU sem detenções registradas. O grupo clamava por impostos sobre fortunas bilionárias, freio ao corte de matas, medidas contra o superaquecimento e proibição à perfuração de óleo. No quinto dia (14 de novembro), uma barreira indígena obstruiu novamente o tráfego na área restrita.

Friedrich Merz, chanceler alemão, que integrou a Cúpula, não poupou ironia: em 13 de novembro, comentou que ele e a equipe de repórteres teutônicos se sentiram “contentes” ao embarcar de volta para casa em 7 de novembro, aludindo aos incômodos acumulados.

Janja Lula da Silva, por sua vez, assumiu protagonismo maior que muitos titulares de ministérios ou o próprio chefe da COP30, mas tropeçou em uma declaração durante entrevista, referindo-se a “atoras” termo ausente do português padrão.

O clímax das adversidades veio na quinta-feira (20 de novembro), véspera do término: chamas consumiram parte dos pavilhões na Zona Azul, obrigando a evacuação imediata de jornalistas, diplomatas e autoridades; felizmente, sem vítimas graves, mas com interrupção nas tratativas sensíveis. Kiara Worth, fotógrafa da ONU que documentou o episódio, qualificou a experiência da COP30 como “bíblica” em postagens nas redes, evocando as provações extremas vividas.

Fora do perímetro oficial, um contratempo inusitado envolveu visitantes: na sexta à noite (21 de novembro), um casal de turistas estrangeiros escorregou em um poço aberto na praia do bairro Brasília, perto do cais dos navios; resgatados sem sequelas sérias.

As negociações finais, prorrogadas em 24 horas, transpiraram frustração: o Planalto pressionou por inserções, com Lula retornando a Belém em 19 de novembro, mas o “Mutirão Global” termo de origem indígena para ação coletiva foi visto como conquista retórica, complicada pela barreira linguística para delegados internacionais. Críticos apontaram que as concessões brasileiras diluíram o rigor das barganhas em curso.


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